Ainda sobre a homossexualidade

Ricardo Baesso de Oliveira

            Veem-se, ainda, em parcela do movimento espírita, considerações inadequadas sobre o tema homossexualidade. Ainda temos ouvido as seguintes expressões: “não é coisa de Deus”, “escolha infeliz”, “culpa dos pais”, “viciado em sexo” ou “sublimar o sexo”.

            Estudos recentes efetuados por diversos pesquisadores têm mostrado que:

            01) Nasce-se homossexual, não se escolhe sê-lo. O balanço entre fatores biológicos ou culturais suscetíveis de explicar a homossexualidade pende notavelmente em favor dos fatores biológicos, agindo de maneira preponderante durante a vida embrionária. A homossexualidade seria o resultado de uma interação entre fatores genéticos e hormonais embrionários com uma contribuição menor dos efeitos de experiências sociais e sexuais pós-natais.[1]

            02) Estudos com imagem têm dado suporte à visão de que o encéfalo de homens homossexuais se assemelha aos de mulheres heterossexuais, e que o encéfalo de mulheres homossexuais se assemelha aos de homens heterossexuais.[2]

            03) Não há evidência de que a maneira como os pais tratam seus filhos tem alguma coisa a ver com a orientação sexual. Do mesmo modo, não foi encontrado nenhum outro fator ambiental para explicar a homossexualidade.[3]

            04) Não há relação entre homossexualidade e comportamento imoral. Os homossexuais “traem” seus parceiros com a mesma prevalência dos heterossexuais. Existem promíscuos tanto entre homo e hetero e não se pode relacionar a homossexualidade com a promiscuidade sexual. [4]

            05) Não se trata de uma condição patológica, tendo sido excluída do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, desde 1973 e do Código internacional de doenças, desde 1990. [5]

            06) A orientação sexual não pode ser alterada com terapia, e estar com pessoas cuja orientação sexual difere da sua não muda sua orientação sexual.[6]

            07) Grande parte dos casamentos entre homossexuais tem grande durabilidade, e os problemas identificados nesses casamentos são semelhantes aos observados em casamentos de heterossexuais. [7]

            08) Os homossexuais podem ser tão bons pais quanto os heterossexuais. A investigação científica tem demonstrado que os filhos criados por pais gays ou mães lésbicas apresentam o mesmo nível de funcionamento emocional, cognitivos e sexual que os filhos de pais heterossexuais. [8]

            Na obra de Allan Kardec, na literatura mediúnica produzida através de Chico Xavier e em considerações mais recentes do Espírito Joanna de Ângelis, encontramos ampla correlação com as considerações apresentadas acima.

            Kardec relaciona a homossexualidade a uma mudança reencarnatória de polaridade sexual. Esclarece que pode acontecer que o Espírito que percorra uma série de existências no mesmo sexo, possa conservar, na condição de Espírito, o caráter de homem ou de mulher, cuja marca nele ficou impressa. Numa nova encarnação, ele trará naturalmente o caráter e as inclinações que tinha como Espírito. Mudando de sexo ele poderá, portanto, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as inclinações e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de certos homens e de certas mulheres. [9] Sabemos que a formação do cérebro, durante o período fetal, é, em grande parte, efeito do psiquismo do Espírito reencarnante, o que torna óbvio que um Espírito com psiquismo distinto da biologia corporal no que se refere a masculinidade ou feminilidade, irá interferir na constituição desse cérebro, justificando, do ponto de vista espírita, o que os estudos têm mostrado: a homossexualidade definida ainda no período gestacional.

            Sobre a origem precoce da homossexualidade, Emmanuel coloca:

            […] em minhas noções de dignidade do espírito, não consigo entender por que razão esse ou aquele preconceito social impedirá certo número de pessoas de trabalhar e de serem úteis à vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do berço características psicológicas ou fisiológicas diferentes da maioria (o grifo é nosso). [10]

            Joanna caminha nessa linha de pensamento, ao afirmar que a homossexualidade pode ser considerada como certa predisposição fisiológica.[11]

            No que concerne as experiências sexuais entre pessoas do mesmo sexo, não encontramos na obra de Kardec e na literatura produzida por Chico nada de substancial que considere tal conduta como eticamente reprovada, obviamente, considerando o respeito ao parceiro e à função sexual, pela prática monogâmica respeitosa, tal qual se espera das relações heterossexuais.

            Kardec considerou que é necessário não esquecer que é o Espírito quem ama, e não o corpo.[12]   Segundo Kardec, as almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que os unem nada têm de carnal e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas numa simpatia real e não são subordinadas às vicissitudes da matéria. [13]

            Quando estabelece que o casamento é uma instituição fundada na lei natural, Kardec enfatiza que se trata de uma união permanente entre dois seres. [14] (o grifo é nosso)

            Este pensamento de Kardec embasou a resposta de Emmanuel à seguinte indagação:

            – É lícito a duas pessoas do mesmo sexo viverem sob o mesmo teto, como marido e mulher

            Na resposta, Emmanuel, se reportando ao pensamento anterior, coloca:

            – A esta indagação o Codificador da Doutrina Espírita formulou a Questão 695, em “O Livro dos Espíritos’ com as seguintes palavras: «O casamento, quer dizer, a união permanente de dois seres, é contrário à lei natural?” Os orientadores dos fundamentos da Doutrina Espírita responderam com a seguinte afirmação: “É um progresso na marcha da Humanidade”. Os amigos encarnados no plano físico com a tarefa de sustentar e zelar pelo Cristianismo Redivivo, na Doutrina Espírita estão aptos ao estudo e conclusões do texto em exame[15]

            Emmanuel considera que à frente da vida eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos domínios do sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito de Justiça e Misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e da vida se especificam na intimidade da consciência de cada um. [16]

            A obra de André Luiz considera que esses relacionamentos, quando fundados na afeição sincera (à semelhança dos casamentos heterossexuais) nada significam de imoral ou que devam ser proscritos. Em obra psicografada em 1947, o autor comenta que erro lamentável é supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante as respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas. O campo do amor é infinito em sua essência e manifestação. Insta fugir às aberrações e aos excessos; contudo é imperioso reconhecer que todos os seres nasceram no Universo para amar e serem amados. [17]

            O autor volta ao tema, em obra de 1963 colocando que nos foros da justiça Divina, em todos os distritos da Espiritualidade Superior, as personalidades humanas tachadas por anormais são consideradas tão carecentes de proteção quanto as outras que desfrutam a existência garantida pelas regalias da normalidade, segundo a opinião dos homens, observando-se que as faltas cometidas pelas pessoas de psiquismo julgado anormal são examinadas no mesmo critério aplicado às culpas de pessoas tidas por normais, notando-se, ainda, que, em muitos casos, os desatinos das pessoas supostas normais são consideravelmente agravados, por menos justificáveis perante acomodações e primazias que usufruem, no clima estável da maioria. [18]

            Acrescentou, na mesma obra, que  no mundo porvindouro os irmãos reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais, serão tratados em pé de igualdade, no mesmo nível de dignidade humana, reparando-se as injustiças assacadas, há séculos, contra aqueles que renascem sofrendo particularidades anômalas, porquanto a perseguição e a crueldade com que são batidos pela sociedade humana lhes impedem ou dificultam a execução dos encargos que trazem à existência física, quando não fazem deles criaturas hipócritas, com necessidade de mentir incessantemente para viver, sob o Sol que a Bondade Divina acendeu em benefício de todos.

            No programa Pinga-fogo, em 1971, Chico se manifestou dizendo que tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito, e acrescentou que o comportamento sexual da humanidade sofrerá, no futuro, revisões muito grandes.[19]

            E, finalmente, Joanna de Ângelis, em obra de 2007, escreveu que o fato de alguém amar outrem do mesmo sexo não significa distúrbio ou desequilíbrio da personalidade, mas uma opção que merece respeito, podendo também ser considerada como certa predisposição fisiológica. Pode-se considerar como uma necessidade sexual diferente com objetivos experimentais no processo da evolução. O amor, no entanto, será sempre o definidor de rumos em favor do ser humano em toda e qualquer situação em que o mesmo se encontre. [20]
 


[1] Biologie de l’homosexualité, Jacques Balthazart

[2] Princípios de neurociência, Eric Kandel

[3] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga

[4] A experiência homossexual, Marina Castañeda

[5] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga

[6] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga

[7] A experiência homossexual, Marina Castañeda

[8] Academia americana de psiquiatria, arquivos, 2002; Academia americana de Pediatria, Pediatrics, 2002

[9] RE, janeiro de 1866

[10] Lições de sabedoria: entrevistas de Chico/Emmanuel, à Folha espírita de SP

[11] Encontro com a paz e a saúde, cap.8

[12] LE, item 939

[13] RE janeiro 1866

[14] LE, item 695

[15] Lições de sabedoria: entrevistas de Chico/Emmanuel, à Folha espírita de SP

[16] Emmanuel, Vida e sexo

[17] André Luiz, No mundo maior

[18] André Luiz, Sexo e destino

[19] Chico Xavier, Programa Pinga fogo, 1971

[20] Encontro com a paz e a saúde, cap.8

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