Kardec e a epidemia de Cólera

Ricardo Baesso de Oliveira

A cólera é uma doença bacteriana infecciosa intestinal aguda, transmitida por contaminação fecal-oral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Frequentemente, a infecção é assintomática ou causa diarreia leve. Pode também se apresentar de forma grave, com diarreia aquosa e profusa, com ou sem vômitos, dor abdominal e cãibras. Quando não tratada prontamente, pode causar desidratação intensa, levando a graves complicações e até mesmo ao óbito. Muitas epidemias de cólera foram registradas na história da humanidade. À época de Kardec, a cidade de Constantinopla (hoje Istambul, Turquia), e adjacências, fora assolada por grave epidemia com cerca de 70 mil mortes.  Um advogado espírita, residente naquela localidade, escreveu a Kardec comentando sobre o sucedido. O Codificador, então, reportando-se ao tema, escreveu um artigo para a Revista Espírita de novembro de 1865, cujas principais ideias reproduzimos abaixo, grafando o que consideramos de maior importância.

O determinismo da morte

Os Espíritas podem, sem dúvida, morrer do cólera como todo o mundo, porque seu corpo não é mais imortal do que o dos outros, e porque, quando a hora é chegada, é preciso partir, que isso seja por essa causa ou por uma outra; o cólera é uma dessas causas que não têm de particular senão levar um maior número de pessoas ao mesmo tempo, o que produz mais sensação; partem-se em massas, em lugar de partir por partes, eis toda a diferença. A vida do homem está nas mãos de Deus, que nos chama quando nosso tempo de prova neste mundo terminou; se a hora de vossa libertação chegou, regozijai-vos, como o prisioneiro que vai sair de sua prisão. A morte nos livra do corpo que nos faz sofrer, e nos devolve à verdadeira vida, vida isenta de perturbações e de misérias.

Necessidade de cuidar-se

Disto se segue que vão negligenciar as precauções necessárias em semelhante caso, e negligenciar no perigo? De nenhum modo: tomam todas aquelas que mandam a prudência e uma higiene racional, porque não são fatalistas, e porque, se não temem a morte, sabem que não devem procurá-la. Ora, negligenciar as medidas sanitárias que podem preservá-las seria um verdadeiro suicídio do qual conhecem muito bem as consequências para a ele se expor. Consideram como um dever velar pela saúde do corpo, porque a saúde é necessária para o cumprimento dos deveres sociais. Se procuram prolongar a vida corpórea, isto não é pelo apego à Terra, mas a fim deter mais tempo para progredir, se melhorar, depurar-se, despojar o velho homem e adquirir uma maior soma de méritos para a vida espiritual.

Serenidade diante do fato e cuidado com notícias apavorantes

Mas como está cientificamente reconhecido que o medo, enfraquecendo ao mesmo tempo o moral e o físico, torna mais impressionável e mais suscetível de receber os ataques das moléstias contagiosas, é evidente que toda causa tendente a fortalecer o moral é um preservativo. O medo, como o sabeis, frequentemente, em semelhante caso, é pior do que o mal; o sangue-frio não se impõe, infelizmente, mas vós, espíritas, não tendes necessidade de nenhum conselho sobre este ponto; olhais a morte impassíveis e com a calma que dá a fé. Isto compreende-se tão bem hoje que se evita, tanto quanto possível, seja nos relatórios, seja nas disposições materiais, o que pode ferir a imaginação por um aspecto lúgubre.

O Espírita perante a morte

Mas a certeza que têm do futuro, e, sobretudo, do conhecimento que têm desse futuro, que responde a todas as suas aspirações e satisfaz a razão, fazem com que não lamente de nenhum modo a Terra onde se consideram como transitoriamente em exílio. Ao passo que, em presença da morte, o incrédulo não vê senão o nada, ou se pergunta o que vai ser dele com ela, o espírita sabe que, se morre, não será senão despojado de um envoltório material sujeito aos sofrimentos e às vicissitudes da vida, mas que será sempre ele com um corpo etéreo inacessível à dor; que gozará de percepções novas e de faculdades maiores; que vai reencontrar aqueles a quem amou e que o esperam no limiar da verdadeira vida, da vida imperecível.

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