A Pedra Renovadora

Eduardo Luz

Quem escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, é melhor para ele que seja pendurada uma mó¹ de asno ao redor do seu pescoço, e se afunde na profundeza do mar(Mt 18:6).

Ao depararmo-nos com essa leitura do Novo Testamento, pela primeira vez e sem maiores cuidados, poderemos sofrer um impacto, caso optemos pela interpretação restrita dos significados das palavras. Conclusões diversas desses ensinamentos tão preciosos motivaram contendas e ainda hoje geram grandes divergências em nossa sociedade.

Antes de qualquer avaliação, devemos exercitar a mente e o coração, criando a imagem de Jesus, recordando Sua missão e sentindo-O,para assim buscarmos uma compreensão, ainda que acanhada,mais próxima das Suas verdades.

Outras passagens contribuem para a ambientação com o texto como, por exemplo, Sua conformidade comos propósitos de Deus (Jo 10:30), retratadas, inclusive, na Doutrina de Amor que pregava às multidões (Jo 4:7-8);Suas ações diante das dificuldades, superando-as com dignidade, sem desviar um único instante deSeu glorioso caminho (Jo 16:30); a maneira didática pela qual ensinava, utilizando-se de elementosda própria cultura local (Mt 13:10-14)²etc.

Todos esses cuidados, que notamos nos menores gestos do Cristo, permitem-nos criar convicções quanto àSua missão, descartando qualquer torpeza de Seus pensamentos, revelando aindasensibilidade e inteligência extraordinárias,sempre postas a serviço da evolução moral da humanidade.

Então, o que o Mestre, de fato, queria dizer aos Seus discípulosao chamar asatenções para a figura de uma criança?Como pode ser melhor afundar-se no mar, amarrado a uma pedra? Seriaessa uma sentençaproferida pelo Mestre? Para essas questões, o Espiritismo tem importante contribuição a oferecer.

No primeiro livro da Codificação aprendemos que, no corpo infantil, o Espírito encontra-se impossibilitado de se manifestar com mais liberdade devido àainda incompleta formação deseus órgãos3, tornando-se dependente4eacessível a novas impressões dos seus pais5.

Por analogia, podemos considerar que essas são as característicasideais a serem cultivadas por todo aquele que deseja servir como mensageiro da Boa Nova. É necessário reconhecer-se pequeno diante da vida, restrito nas inferioridadesmomentâneas que caracterizam nosso estado evolutivo, colocando-secomo carente das orientações cristãs para o próprio crescimento.

Nesta marcha ascensional das individualidades, os mecanismos do Universo, que expurgam as imperfeições, aparecem representados na pedra do moinho. Formado por duasrochas trabalhadas, sendo uma a base, fixada ao chão, de superfície côncava; e a outra, com formato de uma roda, a girar sobre a primeira, coma função de moer os cereais, fazendo a farinhaparaconfecção de pães.

O Cristo, com a Sua empatia, utiliza-se simbolicamente desta engrenagem, responsável por moldar o grão, tornando-o útil, parainduzirSeus seguidores a reflexões mais profundas.Era como se dissesse que, aquele que não superaa si mesmo para contribuir ao bem comum,não tem utilidade; haveriaainda de passar pelos processostransformadores da Terra.

Ou seja, a mó representa as Leis Divinas, alterando as rotas, aplicando as corrigendas urgentes e indispensáveis, impulsionando a todosao progresso, nos ciclos imorredouros e perfeitos que no momento podemos apenas vislumbrar, superficialmente, devido às condições limitadasem que nos encontramos.

Por esta razão, o planeta se conserva com as mais diversas paisagens, oferecendo campo excepcionalmente rico, mesmo aos mais rebeldes, para que tenham experiências que possibilitem a reforma íntima. Então, a riqueza, as culturas rígidas, os ambientes de natureza hostil, as doenças, as megalópoles e suas extravagâncias e tantas outras condições educativassão oportunidades que se apresentamcomo injustiças aparentes, ainda úteis ao nosso crescimento.

Estas paisagens, de ambos os planos da vida, constituem as profundezas do mar da vida, para o qual somos arrastados pelas pedras da culpa, do remorso, do arrependimento e da irresponsabilidade. Nossas escolhas, tantas vezes equivocadas, colocam não só a nós mesmos, mas também o outro, em caminhos dolorosose que demandam tempo, resignação e fé, parao reequilíbrio e reparação das faltas.

Jesus não sentencia, mas lança luzes sobre a ignorância de Seus iniciantes, convocando-os para o caminho reto e instruindo-os da forma como se dá a Justiça Divina. É melhor para todos que reconheçamosnossos erros e nos lancemosao trabalho gratificante do bem, para emergirmosrenovados das próprias sombras.


  1. Trata-se da segunda pedra de um moinho, movida por um jumento.
  2. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2a ed., Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, Cap. XVIII, itens 13, 14 e 15
  3. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2a ed., Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, Questão 379.
  4. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2a ed., Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, Questão 385.
  5. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2a ed., Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, Questão 383.

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