A semente do mamão

José Helvécio

Certa feita, conversava eu em uma roda de amigos, quando alguém mais experiente, com alguns anos a mais bem vividos, disse que, a partir do momento em que aprendeu a comer a semente do mamão, se sentiu mais feliz. Embora a semente proporcione inúmeros benefícios para o corpo humano, comê-la é desagradável, já que é amarga e nada saborosa. Mas entendi o seu sentimento, porque para ele era trabalhoso descascar o mamão e retirar as sementes, mas quando aprendeu a comê-las, simplificou o processo e aproveitou melhor os nutrientes.

Sempre me recordo desse episódio e medito a respeito da observação do amigo. Deduzi que a lição principal é a do desenvolvimento da vontade, da adaptação a situações que nos parecem desagradáveis e do esforço para que a vida seja mais prazerosa.

Dentre as várias definições de vontade encontradas nos dicionários, destacamos: a faculdade que tem o ser humano de querer, de escolher, de livremente praticar ou deixar de praticar certos atos; força interior que impulsiona o indivíduo a realizar algo, a atingir seus fins ou desejos; ânimo, determinação, firmeza. Vontade é uma decisão deliberada, representativa da ação vigorosa e determinante da mente sobre o corpo.

Léon Denis, em seu livro O problema do ser, do destino e da dor, dedica todo um capítulo para descrever a vontade como característica essencial para impulsionar o ser ao seu progresso espiritual. Para o nobre escritor, “é na vida íntima, no desabrochar de nossas potências, de nossas faculdades, de nossas virtudes, que está o manancial das faculdades futuras”. Por isso, ele enfatiza que é preciso ler em si mesmo, explorar as jazidas que encerram inestimáveis tesouros íntimos, e faz uma pergunta, já deixando a resposta: “por que meio poremos em movimento as potências internas e as orientaremos para um ideal elevado? Pela vontade!”[1].

Ressaltemos ainda alguns apontamentos de Denis sobre o assunto:

O uso persistente, tenaz, desta faculdade soberana permitir-nos-á modificar a nossa natureza, vencer todos os obstáculos, dominar a matéria, a doença e a morte. É pela vontade que dirigimos nossos pensamentos para um alvo determinado. (…) A vontade é a maior de todas as potências. (…) Achamos a prova de que a vontade impressiona a matéria e pode submetê-la a seus desígnios. (…) Cada alma é um foco de vibrações que a vontade põe em movimento. (…) Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. (…) Aprendamos, pois, a servir-nos de nossa vontade e, por ela, a unir nossos pensamentos a tudo o que é grande, à harmonia universal, cujas vibrações enchem o espaço e embalam os mundos.[2]

Na questão 909 de O Livro dos Espíritos, os dedicados Mentores Espirituais que orientaram Allan Kardec na Codificação Espírita disseram que para vencer as suas más inclinações, bastaria ao ser humano empreender esforços bem pequenos, mas o que lhe falta é a vontade.

Joanna de Ângelis escreve no livro Triunfo Pessoal, psicografado por Divaldo P. Franco, que:

A vontade deve e pode ser trabalhada através de exercícios mentais, da geração de interesse e de motivação para conseguir-se a autorrealização, a conquista de recursos de vária natureza, especialmente na transformação dos instintos em sentimentos, dos hábitos doentios em saúde, da conquista da beleza, dos ideais de engrandecimento humano.[3]

Infere-se de tudo isso que a vontade é a mola propulsora da evolução do ser humano, tanto física quanto espiritual. Quanto maior o nosso entendimento das questões espirituais, maior é o nosso interesse em buscar o aprimoramento das nossas faculdades morais no sentido de que nos tornemos criaturas melhores, mas esse interesse deve ser acompanhado de um esforço pessoal que somente a vontade bem direcionada pode proporcionar.

Resiliência, uma palavra tão em voga na atualidade, em seu sentido figurado, pode ser conceituada como a capacidade que a pessoa tem de lidar com seus próprios problemas, de sobreviver e superar momentos difíceis, de aprender a desenvolver a capacidade de ser flexível e coerente diante de situações de elevado estresse, de acreditar que, de uma maneira ou de outra, é possível ter o controle sobre a situação e sobre os eventos da vida. Mas, para ser resiliente, é necessário a vontade. É a vontade que vai fortalecer a capacidade de fazer, de conquistar, de superar, de se adaptar diante das diversas situações ou, melhor dizendo, das diversas oportunidades que a vida apresenta para a evolução, até mesmo para aprender a comer a semente do mamão…


[1] DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e dar dor. Rio de Janeiro: FEB, 2007, 3 p., c. 1.

[2] Idem.

[3] FRANCO, Divaldo P. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Triunfo pessoal. 6a ed., Salvador: LEAL, 2010, c. 2.

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