Teresa de Jesus e sua Mediunidade: no caminho do encontro com Deus

1a parte

Luciana Barbosa

Nascida na pequena cidade de Ávila, na Espanha, em março de 1515, Teresa de Ahumada y Cepeda entrou para a história como uma das mulheres mais admiradas de seu tempo. Escritora, fundadora de mosteiros e mais tarde doutora da Igreja, sua personalidade forte vem, ao longo de cinco séculos, provocando estudiosos em várias áreas de conhecimento, bem como aqueles que pretendem seguir um caminho de espiritualidade. Teresa de Jesus passou a ser seu nome em 1562, após a fundação do primeiro mosteiro de sua ordem, das Carmelitas Descalças. Nos dias atuais, também é conhecida pelo nome de sua terra natal, como Teresa D’ Ávila.

Uma mulher escritora no século XVI já era algo digno de nota. Uma mulher que se dispusesse a escrever sobre suas experiências espirituais, em uma Europa marcada pela Inquisição, era no mínimo um ato de grande coragem. E Teresa não só escreveu, mas conseguiu em suas obras traçar um itinerário de espiritualidade e amor. “Com seus escritos, Teresa rompe os limites do mundo dos carmelitas descalços e das monjas carmelitas descalças. Seu nome, sua mensagem, ultrapassam a Igreja e conquistam pessoas de todas as raças e religiões, em busca do Infinito e do desejo de Deus.”[1]

Será com base nessas palavras do frei Patrício Sciadini que entenderemos a possibilidade de conversar e olhar para Teresa sob o paradigma da Doutrina Espírita. Tomando como base o conceito de comunicabilidade dos espíritos, mergulharemos nas experiências de Teresa relatadas em sua autobiografia, o Livro da Vida, nos aprendizados, sensações e sentimentos que são provocados na alma de quem as vivencia. Não recolhemos todos os exemplos, pois que estes são abundantes e habituais em sua vida, mas selecionamos alguns para dialogar com o conceito de mediunidade no Espiritismo, particularmente a partir das obras O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos.            

Kardec cunhou a palavra médium para designar aquele que é o intermediário entre os Espíritos e os que se encontram no mundo corporal. Nesse sentido, Teresa foi uma médium ativa, viveu entre os dois planos de forma intensa e arrebatadora. Possuidora de várias características mediúnicas, como a vidência, a audiência, a premonição e a levitação, sofreu muito as perseguições de sua época, sendo considerada uma herege. Nunca desmentiu o que via ou ouvia, afirmando sempre que o Espírito que a consolava era percebido como o próprio Cristo. Não discutiremos aqui se era ou não o próprio Cristo quem ela via, porque é possível que sua vinculação teológica fizesse com que percebesse o Espírito que lhe inspirava amor e confiança como Jesus. Entendemos também que seus mensageiros não se importam com nomenclaturas e sim com os esforços da criatura para seguir no caminho do bem.

Por ser uma médium de ostensivas faculdades, Teresa também era capaz de ver e ouvir espíritos sofredores, dando o nome a esses muitas vezes de demônios, também uma nomenclatura própria da doutrina religiosa que ela comungava. O mundo espiritual está por toda parte, circunda-nos e não sofre das limitações da matéria como nós. Daí que, todo aquele que possua uma sensibilidade mediúnica, possa captar essa dimensão, de acordo com suas faculdades, e entrar em contato com os seres desencarnados, sejam eles Espíritos elevados ou em sofrimento. Pergunta Kardec em O Livro dos Médiuns: “Quais as condições necessárias para que a palavra dos Espíritos superiores nos chegue isenta de qualquer alteração?” A que os Espíritos respondem: “Querer o bem; repelir o egoísmo e o orgulho. Ambas essas coisas são necessárias.”[2]

Percebemos então o quanto Teresa tinha adequadas condições de entrar em contato com esses Espíritos de alta envergadura moral, por seu caminho de oração, seus pensamentos retos e vivência do amor ao próximo. A Teresa também era facultada a capacidade de visitar as regiões espirituais e traduzir suas impressões de acordo com seu entendimento religioso. Dessa forma, visitou tanto regiões de sofrimento, como de felicidade, traduzindo essa experiência com riquezas de detalhes. Em regiões de sofrimento,

(…) certo dia, estando em oração, vi-me de repente, sem saber como, no inferno. (…) Isso durou muito pouco tempo, mas, mesmo que eu vivesse muitos anos, parece-me impossível esquecer. A entrada me pareceu um longo e estreito túnel, semelhante a um forno muito baixo, escuro e apertado; o solo dava a impressão de conter uma água igual a uma lama muito suja e de odor pestilento, havendo nele muitos répteis daninhos; havia no fundo uma concavidade aberta numa parede, parecida com um armário, onde fui colocada, ficando bastante apertada. Tudo isso é agradável em comparação ao que senti ali. Isto que digo está muito aquém da verdade. (…) As dores corporais eram tão insuportáveis que (…). Não sei como fazer jus com palavras ao fogo interior e ao desespero que se sobrepõem a gravíssimos tormentos e dores. (…) Não há luz, mas sim trevas escuríssimas. Não entendo como pode ser que, não havendo luz, vê-se tudo que possa causar padecimento.

Livro da Vida, 32, 1-3

É importante apontarmos a universalidade dos ensinamentos espirituais, que não estão restritos a nenhuma religião, mas que são difundidos a todos que buscam espiritualidade e percebem nela verdades que alcançam a alma de forma única e confortadora. Teresa narra essa experiência no século XVI. Já no século XX, através da psicografia de Chico Xavier, o espírito André Luiz traz uma narrativa muito parecida do ambiente umbralino em que se encontrava após sua desencarnação:

Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas grades escuras do horror. Cabelos eriçados, coração aos saltos, medo terrível senhoreando-me, muita vez gritei como louco, implorei piedade e clamei contra o doloroso desânimo que me subjugava o espírito (…) Outras vezes gargalhadas sinistras rasgavam a quietude do ambiente. (…) Formas diabólicas, rostos alvares, expressões animalescas surgiam, de quando em quando, agravando-me o assombro. A paisagem, quando não totalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como que amortalhada em neblina espessa, que os raios de sol aquecessem de muito longe. Castigava-me a fome todas as fibras (…). Muita vez suguei a lama da estrada, recordei o antigo pão de cada dia, vertendo copioso pranto.[3]

Também como experiências mediúnicas marcantes e que enterneciam sua alma, Teresa teve o mérito de poder vislumbrar regiões mais felizes do mundo espiritual, trazendo de lá impressões e sensações que não conseguiu esquecer após muitos anos, tamanha a vivacidade desse intercâmbio. Conta-nos:

Estando numa noite tão doente que queria ser dispensada da oração, peguei um rosário para me ocupar vocalmente, procurando não recolher o intelecto, embora estivesse retirada em um oratório. (…) Mantive-me assim por algum tempo, vindo-me um arroubo de espírito de tamanho ímpeto que não tive como resistir-lhe. Tive a impressão de estar no céu, tendo visto ali, em primeiro lugar, meu pai e minha mãe. E vi coisas tão sublimes – no espaço de tempo breve como o de rezar uma Ave Maria – que fiquei bem fora de mim, considerando aquilo uma graça grande demais para mim.

Livro da Vida, 28,1

Como vimos, as experiências mediúnicas dessa religiosa espanhola do século XVI foram intensas e comuns em toda a sua vida. O fato de ela ter deixado escrito uma obra com vários relatos permite que tomemos conhecimento dessas vivências 500 anos depois. Para abordarmos a vivência mediúnica de Teresa de Jesus, faremos aqui um apanhado de alguns exemplos contidos em sua autobiografia, Livro da Vida.

1) VIDÊNCIA

No capítulo 14 da 2a parte de O Livro dos Médiuns, Kardec traz a definição da faculdade de vidência: “Os médiuns videntes são dotados da capacidade de ver os Espíritos (…). Podemos incluir, na categoria dos médiuns videntes, todas as pessoas dotadas de dupla vista (…)”[4]. Muito interessante para nós é o que o Codificador diz, em seguida, algo sempre presente nos escritos de Teresa nos relatos de suas visões: “O médium vidente julga ver com olhos, como os que são dotados de dupla vista, mas, na realidade, é a alma quem vê, razão pela qual eles tanto veem com os olhos fechados como com os olhos abertos”[5]. E agora, nas palavras de Teresa:

Não é esplendor que deslumbre, mas uma suave brancura e um brilho infuso que dão enorme prazer à vista e não cansam (…). E, no entanto, Deus a põe diante de nós num átimo, mal nos dando tempo de abrir os olhos, caso fosse necessário fazê-lo. Pouco importa que estejam abertos ou fechados, porque, quando o Senhor deseja, mesmo que não queiramos, a vemos.”

Livro da Vida, 28,5

No capítulo 20 da 2a parte de O Livro dos Médiuns, Kardec faz a seguinte pergunta aos Espíritos: “Qual o médium que poderíamos qualificar de perfeito?”. E a resposta dos Espíritos é: “Perfeito? Ah! bem sabes que a perfeição não existe na Terra; se não fosse assim, não estaríeis nela. Dizei, portanto bom médium e já é muito, pois eles são raros (…). O melhor é o que, simpatizando somente com os Espíritos bons, tem sido enganado com menos frequência”[6]. Teresa tinha uma afinidade especial e íntima com os bons Espíritos. Suas visões de Jesus e dos santos sempre infundiam ternas sensações, e por isso suas narrativas dessas visões são tão profundas e belas que causam um doce impacto àqueles que leem. Trazemos aqui alguns belos exemplos desses encontros:

Estando uma vez nas horas com todas as irmãs, a minha alma se recolheu de imediato e deu-me a impressão de ser um claro espelho. Não havia parte posterior, nem lados, nem alto, nem baixo que não fosse claridade; e, no centro, foi-me apresentado Cristo Nosso Senhor da maneira como costumo vê-Lo. Eu parecia vê-Lo, em todas as partes da minha alma, claro como um espelho; e esse espelho, não sei como, também era feito todo do próprio Senhor, através de uma comunicação muito amorosa que não sei descrever.

Livro da Vida, 40,5

Certo dia em que eu estava em oração, quis o Senhor mostrar-me apenas as suas mãos; era tamanha a formosura que eu não consigo descrevê-las. (…) Há poucos dias, vi também o rosto divino, que, ao que parece, me deixou inteiramente absorta. Eu não podia compreender porque o Senhor se mostrava assim, pouco a pouco, se haveria de me fazer a graça de vê-Lo por inteiro, mas vim a entender que Sua Majestade me conduzia segundo minha fraqueza natural. Bendito seja para sempre, porque tanta glória junta era insuportável para criatura tão baixa e vil, razão porque, sabendo disso, o Piedoso Senhor ia me preparando.

Livro da Vida, 28,1

Interessante colocar aqui a descrição feita pela médium Yvonne Pereira sobre a visão das mãos de um Espírito. Ela assistia a uma reunião de materialização na década de trinta, na cidade de Lavras, e lhe apareceu Roberto de Canalejas, um Espírito muito querido e amigo: “Suas mãos, longas, finas, que eu tanto conhecia, ali se achavam perfeitamente reproduzidas (as mãos do perispírito são sempre muito perfeitas, nas entidades normais ou elevadas), luminosas como os braços e refulgindo em nuanças azuis (…).”[7] E em Teresa lemos: “É completamente impossível que isso seja imaginação; isso a nada leva, porque só a formosura e brancura de uma mão  supera tudo que possamos imaginar (…)” (Livro da Vida, 28,11).

Em outra de suas visões, Teresa diz ver roupas sendo-lhe colocadas por Espíritos de altas esferas:

(…) eu estava na capela de um mosteiro da Ordem do glorioso São Domingos (…). De repente, veio-me um arroubo tão intenso que quase perdi os sentidos (…). Enquanto me encontrava naquele estado, tive a impressão de que me cobriam com uma roupa de grande brancura e esplendor. No início eu não via quem o fazia, tendo percebido depois Nossa Senhora do meu lado direito e meu pai São José do esquerdo adornando-me com aquelas vestes. (…) Tive a impressão de que ela me punha no pescoço um colar de ouro muito formoso do qual pendia uma cruz de muito valor. O outro e as pedras dessa joia são tão diferentes dos de cá que não há comparação; porque a sua formosura muito difere do que podemos imaginar aqui (…).

Livro da Vida, 33,14

Nessa passagem Teresa descreve uma veste de grande brancura, que lhe foi vestida, e um colar com uma cruz, colocado em seu pescoço. No capítulo 8 da 2a parte de O Livro dos Médiuns, intitulado Laboratório do Mundo Invisível, Kardec, atestando a possibilidade dessa visão, trata justamente dos objetos no mundo espiritual, sua natureza e propriedades: “Os objetos que os Espíritos formam têm existência temporária, subordinada à sua vontade ou a uma necessidade qualquer de sua parte. Pode fazê-los e desfazê-los a vontade”[8].

Na continuação deste artigo veremos mais alguns aspectos de sua vidência e outras faculdades mediúnicas vivenciadas por Teresa D’Ávila.


[1] JESUS, Teresa de. Obras Completas de Teresa de Jesus. Org. Tomás Alvarez. São Paulo: Loyola, 1995, p. 08. As demais citações de Teresa são também dessa edição, particularmente de Livro da Vida.

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 20.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Ditado pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 1.

[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 14.

[5] Idem.

[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 20.

[7] PEREIRA, Yvonne do Amaral. Recordações da Mediunidade. 4a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2008, p. 108

[8] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.  Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 8.

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