Propósito e caráter da evangelização espírita infantil

Coluna “O Médium de ontem

Alcíone Andries Lopes
Publicado na revista O Médium no 531, de mai/jun de 1986

A luta entre a matéria e o espírito tem precisamente como objetivo
libertar este cada vez mais do jugo de forças cegas.
Léon Denis, O problema do ser, do destino e da dor, c. 22

Ainda que aceite a necessidade dos ensinamentos evangélico-doutrinários como recurso precioso ao progresso do Espírito, há quem os encare tão somente como um freio a ser aplicado às manifestações da personalidade, por meio do comportamento visível. Ora, não se pode resumir a tal o propósito da evangelização espírita infantil. Ele é bem mais amplo e complexo.

Espiritismo não se reduz a um punhado de regras que se prestam ao condicionamento cego do comportamento das criaturas, segundo padrões sociais mutáveis com o tempo. Espiritismo é a luz da verdade nos corações que pensam, estabelecendo um código moral imperecível, a ser descortinado da consciência pela compreensão, e com participação efetiva do aprendiz. Amar, e não temer a Deus; aceitar de forma dinâmica e não simplesmente submeter-se às Suas Leis, esta é a meta.

A “luta entre a matéria e o Espírito” a que se refere Denis é exatamente o mecanismo da evolução consciente, que implica, até mesmo pela expressão usada pelo autor – luta –, numa grande dinamicidade, numa ação em que a pessoa tem que participar com o mais profundo da alma, acionando a própria vontade, e não apenas acumulando informações.

Se o propósito da evangelização espírita é esclarecer para propiciar a aquisição de mais luz, seu caráter é basicamente libertador de consciências, pela revelação da verdade. Esse caráter, ou qualidade, dá condições para o entendimento da responsabilidade do indivíduo na construção de seu destino, incentivando-o ao uso do esforço pessoal no trabalho de autoaperfeiçoamento, sob as bênçãos de Deus, que a todos concede chances para tal.

Evangelizar crianças à luz da Doutrina Espírita não é agir de forma que elas se submetam às ordens dos adultos, única e exclusivamente, tornando-se “bem-comportadas”, obedientes e sem qualquer questionamento. Evangelizar crianças à luz da Doutrina Espírita é propor conteúdo teórico e prático, de tal maneira que o Espírito recém-reencarnado caminhe no desenvolvimento de uma consciência crítica, descobrindo-se e percebendo a necessidade de quebrar os grilhões que o prendem à retaguarda. Não é, assim, impor conceitos estereotipados de conduta, ameaçar, mesmo veladamente, subjugar vontades mais fracas numa relação de força e violência. A evangelização espírita infantil há que primar por ser um processo de descoberta e conscientização da realidade espiritual, da paternidade e da justiça divina.

No capítulo 14 da obra Sinal verde, André Luiz alerta: “ajuda os meninos de hoje a pensar com acerto, dialogando com eles, dentro das normas de respeito e sinceridade que você espera dos outros em relação a você.”

Pelo exposto, é preciso que meditemos no que se está realizando e como isso tem se processado, em nome da evangelização espírita infantil. Não se pode jamais desfigurar a Doutrina Espírita no seu caráter de fé raciocinada.

Estejamos atentos ao fato de que usar o Espiritismo para instruir somente ou para obter respostas comportamentais imediatas e, obviamente superficiais, é pretender amesquinhá-lo, fugindo ao seu objetivo básico, que é o de libertar o homem para a vivência integral do amor de que se constrói, esse amor que pensa e se expande em luz!

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