Por que desapareceram os grandes fenômenos mediúnicos?

José Fernando

Foram-se os tempos em que respeitáveis matronas e rudes senhores camponeses sentavam-se sobre toscos tamboretes e, enquanto assavam batata e milho verde no fogão à lenha, impressionavam jovens e crianças ao seu redor, narrando casos de assombração, de fantasmas envoltos em alvos lençóis e de casas mal-assombradas por inacreditáveis arremessos de pedras e calhaus vindos não se sabe de onde. Comprovadamente, em caso particular, um querido familiar teve que se mudar com sua família, às pressas, de uma casinha de colono na zona rural da cidade de Laranjal (MG). Na primeira noite que lá passaram, ficaram apavorados com a chuva de pedregulhos e de gravetos que caía sobre a moradia, sem saber de onde vinha. Em plena madrugada, enveredaram a pé por trilhas de mata compacta, iluminadas apenas pelo fulgor das estrelas e o brilho do luar, em angustiante fuga, em direção à distante sede do aludido município mineiro.

Os tradicionais “causos de assombração” perderam seu “glamour” diante da avalanche de conteúdos de suspense e terror popularizados pelas plataformas de streaming, com frequentes lançamentos de filmes e séries do gênero, muitos deles mostrando, detalhadamente, cenas macabras e sanguinolentas. Cabe aqui um pequeno parêntese para reflexão individual: por que o ser humano aindase deleita em apreciar cenas dantescas de sofrimento alheio e, ao mesmo tempo, quando a dor e a injustiça lhes batem à porta, querem se ver livres, a todo custo, de qualquer sofrimento, por menos doloroso que seja?

Retomando a linha de raciocínio com uma análise espírita, tentaremos compreender o porquê do desaparecimento dos notáveis fenômenos de mediunidade ostensiva do passado nos médiuns da atualidade. Há 165 anos iluminando consciências, nossa querida doutrina, se comparada às religiões tradicionais, desabrochou regada e fertilizada pela abundância de fenômenos mediúnicos físicos e inteligentes que assustaram e encantaram cidadãos pelo mundo afora. Teve como base a fenomenologia mediúnica, tão bem estudada e codificada por Allan Kardec no livro considerado um verdadeiro tratado sobre mediunidade e ainda não ultrapassado, O Livro dos Médiuns, e pesquisadores clássicos como William Crookes, Gabriel Delane, César Lombroso etc[1]. Então, qual seria o motivo da escassez de médiuns nas atuais reuniões mediúnicas espíritas? Por que ainda são os mesmos médiuns participantes na maioria das reuniões? E os incríveis fenômenos de efeitos físicos, por que desapareceram?

Constata-se, ainda, que grande número daqueles que adentram às salas mediúnicas na atualidade trazem consigo parcos recursos medianímicos, não conseguindo, sequer, comunicações de mentores. Quando afirmam recebê-las, expressam-nas em mensagens comuns de consolo e de incentivo, sem contribuir com informações precisas do comunicante e, muitas vezes, com ideias estreitas hauridas por eles mesmos, pela convivência e pelo estudo diário nas sociedades espiritistas que frequentam, pontuadas, quase sempre, de opiniões facilmente observáveis nos corriqueiros meios de comunicação de massas. Dessa forma, pode-se considerar que são, frequentemente, mais fenômenos anímicos do que mediúnicos.

 Na visão da Ciência, particularmente da Parapsicologia, encontramos a opinião gabaritada de John Beloff, emérito pesquisador e professor de Psicologia na Faculdade de Edimburgo, no Reino Unido. Beloff constatou que “como aparecem aqueles reflexos de criatividade que geralmente associamos com a atividade artística, a manifestação do fenômeno paranormal aparece também de maneira ciclotímica”, ou seja, de forma cíclica ou oscilatória, com momentos alternados de muita e de baixa ocorrência.[2]

Como exemplo notório de explosão de criação artística ciclotímica ou cíclica, temos o Renascimento, movimento artístico iniciado na Itália entre os séculos XIV e XVI e capitaneado por pintores, arquitetos e gênios como Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Rafael Sanzio e outros, quase insuperáveis até o momento. Corroborando esta tese, constatamos o movimento intelectual e filosófico que prevaleceu na Europa durante o século XVIII, cognominado Iluminismo, encabeçado por figuras influentes como Diderot, Rousseau, Kant e outros sábios estudados e venerados até o presente. Também na música temos o ciclo compreendido como Período Clássico, até hoje abalizado como algo que não mais retornou em sua pujança, tendo à frente compositores como Beethoven, Mozart, Brahms e Verdi.

 Em se tratando de fenômenos mediúnicos, sabemos que eles existem desde sempre, porém, há uma classificação didática observada por correntes de pensadores europeus e americanos, definindo o dia 31 de março de 1848 como o início de um ciclo extraordinário de fatos espíritas, originados na remota aldeia americana Hydesville, no Condado de Wayne, estado de Nova York. Ela se tornou mundialmente conhecida devido aos fenômenos mediúnicos que ocorriam no interior de uma cabana, onde residiam as irmãs Fox. Os fatos propagaram-se mundo afora em manchetes espetaculares, com fotografias e entrevistas exaustivamente publicadas à época[3]. Esse ciclo se estendeu até a primeira metade do século XX, com a presença de médiuns portadores de mediunidade poderosa e ostensiva, que possibilitavam materializações impressionantes e efeitos físicos nunca vistos.

Foram vários os médiuns desse período: Stainton Moses, Daniel Douglas Home, Eusápia Palladino, Florence Cook, os irmãos Davenport e as irmãs Julie e Caroline Baudin, famosas médiuns de Kardec. No Brasil, tivemos o saudoso e missionário médium Francisco Cândido Xavier e a médium psicógrafa de inesquecíveis livros Yvonne do Amaral Pereira. Produzindo excelentes trabalhos de materialização de Espíritos, cabe destacar, dentre outros, Anna Prado, do Pará, que produzia materializações estudadas e analisadas por pesquisadores da sua época;[4] Julinho Grandi Ribeiro, de Vitória (ES); e o médium fluminense Francisco Peixoto Lins que, juntamente com Chico Xavier, provocou materializações luminosas amplamente fotografadas e registradas em livro homônimo.[5] Nascidos nesse fértil período, temos também o médium e orador espírita Divaldo Pereira Franco e José Raul Teixeira.

Como estamos analisando a vitalidade e a profusão de fatos mediúnicos, por que, então, esses médiuns brasileiros ainda encarnados não são mais capazes de atender aos anseios de todos nós que gostaríamos de presenciar ricos fenômenos? Talvez estejamos observando o término de um ciclo.

No final da década de 90, estive em Uberaba em trabalho profissional e tive o feliz ensejo de estar com Chico Xavier em sua residência, o que me proporcionou a oportunidade de presenciar interessante fenômeno. Ao adentrar no interior da casa, a convite de seu filho adotivo Eurípedes, que me encaminhou de uma enorme fila do lado de fora, deparei com outra fila de mais ou menos dez pessoas. Quando chegou minha vez, Chico me perguntou de onde eu era. Disse que havia chegado recentemente da cidade de Leopoldina e que estava laborando no movimento espírita juiz-forano. Ele recordou os tempos em que visitava a cidade, durante a semana da Exposição Agropecuária local. Inquiriu sobre os confrades do município, como também dos fazendeiros que expunham seus gados e mercadorias, citando cada nome por inteiro. Em dado momento, seu filho Eurípedes cortou o assunto e me pediu para dar lugar a outro visitante. Chico viu-se, então, compelido a soltar minha mão. Saí de sua residência e entrei no carro que nos levaria ao hotel. Nesse momento, senti um forte perfume de rosas inundando o carro, que perdurou em minha mão esquerda por alguns dias, mesmo depois de ser lavada várias vezes. Era exatamente a mão que o Chico segurou durante nossa conversa.

 Recordações à parte, busquemos o fio da meada nas análises da carência de fenômenos mediúnicos na atualidade, principalmente os físicos. A pandemia da Covid-19 trouxe uma situação inusitada ao movimento espírita. Pela primeira vez na história, as portas dos centros espíritas tiveram que ser fechadas, com a suspensão de todas as atividades. Apelou-se, então, para as reuniões virtuais e, no conforto de nossos lares, pudemos prosseguir nos estudos da doutrina, de uma forma até mais ativa que antes. Os trabalhos físicos se encerraram e as atividades intelectuais foram aceleradas, proporcionando-nos maior cabedal de conhecimentos. A suspensão das reuniões mediúnicas, em consequência, proporcionou aos médiuns a oportunidade de um aprendizado profundo dos conceitos espiritistas, notadamente na área da mediunidade. Valendo-me desse raciocínio, e tendo em vista a resposta que os Espíritos proporcionaram a Allan Kardec sobre a perda e a suspensão da mediunidade no médium, transcrevemos aqui uma das conclusões desses grandes tutelares:

É também para lhe dar tempo de meditar as instruções recebidas. Por essa meditação dos nossos ensinos é que reconhecemos os espíritas verdadeiramente sérios. Não podemos dar esse nome aos que, na realidade, não passam de amadores de comunicações.[6]

   Em síntese, ainda necessitamos de mais tempo para estudar a vastíssima obra espírita kardequiana e suas consequentes. Enquanto isso, com mais estudo, vamos desenvolvendo nossa capacidade intuitiva e aprimorando a inspiração, afinal, o fenômeno mediúnico por si só não é capaz de convencer a todos e, recordando Jesus diante de Tomé, ainda ressoa em nosso íntimo: “porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20:29).


[1] CROOKES, William. Fatos espíritas. Rio de Janeiro: FEB, 1983.

[2] BELOFF, John. Implicações filosóficas dos estudos parapsicológicos.

[3] WANTUIL, Zeus. As mesas girantes e o Espiritismo. 5a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2007.

[4] MAGALHÃES, Samuel N. Anna Prado: a mulher que falava com os mortos. Rio de Janeiro: FEB, 2013.

[5] RANIERI, Rafael A. Materializações luminosas: depoimento de um delegado de polícia. São Paulo: Boa nova, 2020.

[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2008, 2a p., c. XVII, i. 220, q. 5.

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