A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nas casas espíritas (2ª parte)

Caio Rocha

Continuando a discussão iniciada na última edição da revista, destacamos mais algumas informações importantes. Repete-se aqui o que consta na primeira parte deste artigo: não há a intenção de apontar como cada instituição deve agir individualmente. Cada uma deve, internamente, traçar estratégias junto à diretoria, ao corpo jurídico e/ou aos responsáveis, para melhor adequar os trabalhos às exigências da LGPD, resguardando, assim, não só a instituição, mas também os próprios voluntários responsáveis por executarem as atividades.

Um equívoco que pode ocorrer é acreditar que quanto menor for a instituição, menos dados sensíveis a serem tratados existirão, logo, não é necessário se preocupar com o seu tratamento. Naturalmente, a instituição menor tem uma vantagem. Por possuir uma quantidade menor de trabalhadores e frequentadores, é mais fácil organizar seu processo interno. Contudo, apesar de, em termos quantitativos, essa casa possuir menos dados a tratar, se comparada a uma instituição maior, os dados sensíveis continuam presentes.

Uma boa estratégia para evitar problemas com a LGPD é diminuir a quantidade de dados sensíveis coletados, o que facilitará seu tratamento e diminuirá prováveis riscos. Logo, cabe a cada instituição refletir sobre quais dados devem ou não ser solicitados nas atividades que desempenham. Apenas a título exemplificativo e para estimular o raciocínio, seguem abaixo algumas considerações sobre os dados mínimos solicitados em algumas atividades desempenhadas nas instituições espíritas.

Atendimento fraterno

De maneira geral, não são solicitados muitos dados no trabalho de atendimento fraterno. O necessitado vai presencialmente à instituição espírita, aguarda o atendimento e conversa pessoalmente com o trabalhador. Porém, não se pode esquecer que o atendimento fraterno possui não apenas informações capazes de identificar o seu titular (dados sensíveis), como também informações sobre suas dificuldades íntimas, às vezes não compartilhadas nem mesmo com seus amigos e familiares.

Assim, imaginemos que, em alguma instituição, ocorra o agendamento dos atendimentos. Suponhamos também que seja, então, anotado o nome completo, o telefone de contato e uma palavra ou frase que resume a dificuldade enfrentada por aquele indivíduo. Primeiramente, se há anotação de dados sensíveis, é necessário deixar claro ao seu titular o motivo pelo o qual são registrados e, principalmente, pedir o seu consentimento de maneira expressa. Cabe ao trabalhador atendente ter o cuidado de utilizar as informações recebidas apenas para prestar o atendimento fraterno. Se, por algum motivo, for necessário registrar as informações daquele que está sendo atendido, há de se recolher novamente sua autorização, especificando a finalidade desse recolhimento. Após o recolhimento, devem ser seguidas todas as outras fases do tratamento, processamento, armazenamento e utilização, como apontado na primeira parte desse texto. Se há dificuldade em conseguir o consentimento do atendido, as informações devem ser recolhidas de maneira a não ser possível identificar o seu titular. Por exemplo, para agendamento, recolha apenas o primeiro nome.

Reuniões de irradiação

Para as reuniões de vibração e irradiação, geralmente, as instituições espíritas disponibilizam papéis a serem preenchidos com dados da pessoa a ser auxiliada, depositados em local determinado. Além disso, eventualmente, quem apresenta as informações para solicitar vibração e irradiação não é seu titular, mas sim um amigo, um parente ou um conhecido, buscando ajuda para o titular dos dados. Dessa forma, a casa espírita possivelmente estará lidando com dados sensíveis que não foram repassados por seus titulares. Portanto, há de se tomar muito mais cuidado, uma vez que não será possível conseguir a autorização ou o consentimento do titular.

Como sugestão, para diminuir o risco, em vez de deixar um papel em branco para as pessoas escreverem as informações que quiserem, pode ser interessante deixar disponível um papel limitado com os campos que a instituição achar necessário à tarefa. Devemos tomar cuidado também com o local onde o papel é depositado, de maneira a restringir o acesso a seu conteúdo, e, principalmente, devemos realizar essa reunião com um grupo fechado, com o objetivo de evitar que o nome de alguém seja falado e possa ser identificado por aqueles que não fazem parte do trabalho.

Palestra pública

Comumente, não há recolhimento de dados sensíveis em palestra pública, no entanto, devemos destacar alguns cuidados a serem observados quando a palestra presencial estiver sendo gravada para posterior publicação ou ocorrendo ao vivo, de forma on-line.

Ainda que, nesse caso, entre em jogo também a questão dos direitos de imagem, não há necessidade de uma discussão detalhada sobre esse aspecto legal nesse artigo, afinal, tanto nessa legislação, quanto na LGPD, é necessária autorização expressa para se veicular a imagem em vídeo de alguém. A LGPD, na verdade, nos traz mais um elemento que justifica a autorização, pois, dependendo da situação, a gravação pode deixar de ser meramente um uso de imagem e passar a ser também um dado sensível.

Para evitar riscos, a prevenção é sempre importante. No caso de uma palestra virtual, como, geralmente, o convite ao palestrante já está documentado via Whatsapp ou e-mail, e ele se propôs a fazer esse tipo de palestra, não há necessidade de mais preocupações, pois o palestrante já sabe que sua imagem será utilizada (direito de imagem) e qual a finalidade da gravação. Deve-se apenas atentar para que o vídeo gravado atinja o objetivo proposto. Se o palestrante fez uma palestra a ser publicada nas redes sociais da instituição, o vídeo não pode ser utilizado de forma diversa da combinada. Para utilização diferente da finalidade acordada, é necessário novo consentimento (LGPD).

No caso de uma palestra presencial que será gravada, o ideal é gravar apenas o palestrante, que deu seu consentimento para tal. Se, por algum motivo, o público aparecer na filmagem e não se possuir sua autorização expressa, seus rostos devem ser “borrados” na edição do vídeo, de maneira que não seja possível identificá-los.

Sabemos o quão difícil é nos adaptarmos aos avanços tecnológicos e às exigências legislativas, pois, principalmente, nossos centros espíritas possuem um quadro de trabalhadores composto por voluntários com diferentes graus de entendimento e habilidades, no entanto, há alguns cuidados e diligências que não são optativas. No caso concreto, a LGPD é uma lei federal de cumprimento obrigatório e a instituição espírita, enquanto pessoa jurídica, ainda que sem fins lucrativos, possui direitos, mas também obrigações.

Como trabalhadores e representantes das instituições espíritas, somos impelidos a observar a legislação vigente e a ter o cuidado necessário para evitar impactos negativos no movimento espírita e/ou na organização para a qual voluntariamente nos dedicamos a trabalhar. E, para que isso ocorra, há de se exercer o trabalho de forma segura e legal, o que requer gestão, estruturação e prevenção.


BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em set. 2021.

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