Serenidade é vida

Ana Paula Soares Bartholomeu

O título deste artigo é uma frase ditada por Joanna de Ângelis.[1] Uma frase curta, mas que contém uma afirmação bastante profunda. O que será que a mentora quis dizer com isso? A ideia ficou instigando minha mente durante alguns dias, sem que eu me aprofundasse no entendimento, até que ouvi numa palestra algo que reforçou o chamado para melhor compreendê-la: “quem tem serenidade e nota que está faltando alguma coisa?”. Passei a estudar sobre o tema.

Serenidade é o sentimento de quem que está tranquilo, de quem é manso e suave. É também a qualidade de quem sabe tratar com docilidade e tolerância as situações adversas. Essas são acepções comuns da palavra, mas não é comum encontrarmos seres serenos no nosso meio. A percepção inicial é a de que poucos conseguem manter a serenidade e a maioria de nós ora consegue ser doce e tranquilo, ora não. A segunda percepção foi de que os serenos são seres como nós, mas que compreenderam com maior amplitude a vida, o viver, e colocaram a teoria na sua prática rotineira.

O Espiritismo nos ensina que “O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria: o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará.”[2] Para vencermos essa influência, jamais devemos esquecer que somos Espíritos vivenciando uma jornada material, ou seja, somos seres voltados para atranscendência, mas, uma vez encarnados, precisamos dar conta das necessidades materiais próprias dessa experiência. O que não devemos, nunca, é inverter essa realidade, caindo na ilusão de que somos seres materiais com um lado espiritual. Estamos aqui justamente para que o Espírito que verdadeiramente somos aproveite as vicissitudes da marcha na matéria para evoluir.

Muito bem colocado é este trecho em que Allan Kardec fala da questão do ponto de vista:

Para quem se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corpórea se torna simples passagem, breve estada num país ingrato. As vicissitudes e tribulações dessa vida não passam de incidentes que ele suporta com paciência, por sabê-las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais ditoso.[3]

Sabendo, então, que estamos aqui na Terra apenas de passagem, logo percebemos que quem desenvolve a serenidade aprendeu a caminhar como Espírito ou, em outras palavras, como quem vive no mundo sem ser do mundo. Disso podemos depreender que nossos esforços em busca de serenidade precisam desta ancoragem profunda: a convicção de que tudo são experiências e de que estamos aqui para aprender e vencer desafios, porque a Terra é, na realidade, uma escola de almas.

Joanna de Ângelis apresenta duas posturas que nos são possíveis no dia a dia e uma delas é a de quem assimilou a relevância de acatar a serenidade:

  • A postura da pessoa serena: ela sabe se controlar diante dos eventos, porque compreende que se encontra em exercício reencarnatório. Por isso, mais facilmente aceita os desafios e os enfrenta com ânimo, porque remonta à razão com serena decisão de descobrir-se, de se enriquecer com todos os aprendizados possíveis; nesse sentido, reforça a coragem para levantar-se quando cai e, para prosseguir, se surgem conspirações emocionais que a intimidam.[4]
  • A postura da pessoa não serena: essa se vê mais facilmente afetada pelas circunstâncias. A mentora denomina homem-espelho aquele que mantém grande preocupação com o parecer, em detrimento do ser, e assim não manifesta identidade própria, refletindo os modismos, as imposições, as opiniões alheias, criando para si um clima de muito conflito e dissabor.

A maior diferença entre ambas está no fato de a pessoa serena ter aprendido a não se render às situações e aos eventos que estão fora do seu controle, enquanto a outra se vê frequentemente envolvida e afetada pelos acontecimentos, atordoada em clima de irritação, de intranquilidade – em geral, acredita-se atingida sempre injustamente; culpa o mundo por seus sofrimentos e, assim, ainda se mantém distante de uma compreensão mais profunda que lhe pouparia as muitas decepções e angústias habituais.

Algumas pessoas comentam, quando abordamos esse tema, que é muito difícil treinar a serenidade, ou que isso não é para elas. Se assim pensam, realmente fica mais difícil estabelecer um roteiro de crescimento espiritual, mas é para fazê-lo que aqui estamos. Não é a Doutrina Espírita que nos impõe essa necessidade.

Muito já se falou sobre a trajetória dos seres rumo à luz. O próprio Carl Gustav Jung sintetizou que “quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”, ou seja, quem procura saber quem é, de onde veio, para onde vai, perscrutando-se alma a dentro, reconhece a importância e a necessidade de promover o próprio crescimento, com um preparo maior para o aprendizado das experiências cotidianas; quem prefere a ilusão, por medo da luz ou por amor ao ego, continuará olhando para fora, dormindo para a sua realidade maior, para as suas potencialidades, para a sua espiritualidade. Todos nós temos o livre-arbítrio para retardar ou acelerar nossa evolução moral e espiritual, mas se queremos uma vida melhor, mais proveitosa, mais saudável e mais feliz, a serenidade nos será muito boa diretriz e muito boa companheira.

Sabedores de que os eventos da vida material são meio e não fim em si mesmos, já estamos mais capacitados para o exercício da serenidade. Já teremos vencido as primeiras resistências.

Dentre os exercícios para controle da ansiedade, que tanto nos assalta o equilíbrio, podemos treinar o comedimento, a moderação nos hábitos e nas ações. Sim, porque a pessoa serena escapa aos excessos. Ela busca o caminho do meio, o caminho da temperança e por ele segue, dando ao mundo uma contribuição mais inteligente, ponderada, refletida, calma, isenta do calor polarizado das paixões e cada vez mais adequada a cada acontecimento.

Um antigo texto oriental ilustra muito bem como se dá essa atitude ponderada, calma, serena e, daí, presente em cada evento:

Quando o vento chega e oscila o bambu, o bambu não guarda o som depois que o vento passou. Quando os gansos atravessam o lago, o lago não conserva seus reflexos depois que eles se foram. Da mesma maneira, a mente das pessoas iluminadas está presente quando ocorrem os acontecimentos e se esvazia quando os acontecimentos terminam.

Assim, vamos entendendo porque a mentora sintetizou que serenidade é vida. É que a pessoa serena cultiva a vida interior: ela vê, aprende, analisa, reflexiona, vigia os pensamentos, medita, age, semeia com consciência o que deseja colher adiante, não se antecipa, nem se desespera com as circunstâncias. Aprendeu a ser Espírito numa experiência material. Vamos entendendo, também, que, construindo em nós uma base sólida de serenidade, de fato nada nos faltará, como na pergunta retórica do palestrante.

Recordemos, para finalizar, estes episódios na vida de Saulo de Tarso, muito ilustrativos da importância desse tema e da revolução que a serenidade promove em nós. Lembremos que Saulo, com seu “orgulho de raça”, sentia-se bastante incomodado com a serenidade da gente do “Caminho”, que não se alterava quando provocada por seu discurso ferino e, sobretudo, não se revoltava diante da algema e do cárcere, a eles se entregando, antes, sorridente e tranquila. Se, no auge do seu despeito, mandava machucar, prender, matar, a postura serena dos cristãos nesses momentos o perturbava ainda mais, deixando-o irritado, ruborizado, ríspido, enraivecido, colérico. Nas primeiras horas após a conversão, porém, ainda pouco sabendo sobre a mensagem do Mestre, sentiu-se invadido por imensa calma, certamente ainda impactado pelo magnetismo do Mestre, e foi com ela – a serenidade – que, por sua vez, ele também conseguiu enfrentar as duras ofensas e repúdios do amigo Sadoc e dos oradores na sinagoga de Damasco.


[1] FRANCO, Divaldo Pereira. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Momentos de saúde e de consciência. 2a ed. Salvador: Leal, 2014.

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Introdução, item VI.

[3] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 125a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo II, item 5.

[4] FRANCO, Divaldo Pereira. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. O homem integral. 11ª ed. Salvador: Leal, 1990.

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