Revista Espírita em destaque: Pensamento mágico e pensamento lógico

Ricardo Baesso de Oliveira

Encontram-se, ainda, em nosso Movimento Espírita, confrades excessivamente crédulos, ingênuos, que aceitam qualquer informação, sem ajuizar quanto à possibilidade lógica do fato ou do argumento. Algo estranhável em uma doutrina que teve seus alicerces fundados na razão e no bom senso.

Como entender isso? O que falta a essas pessoas, que não são más, mas que acabam assumindo uma postura inadequada, obviamente fantasiosa, mística, supersticiosa?

O tema nos leva a examinar o próprio desenvolvimento da qualidade do discernimento, do pensar racional e do senso lógico.

Steven Pinker, psicólogo de Harvard, em seu último livro, O novo Iluminismo[i], examina o assunto a partir do seguinte questionamento: por que uma espécie dita inteligente é facilmente conduzida à insensatez?

Pinker relaciona ao pensamento mágico três fatores:

Primeiro, nossos cérebros são limitados em sua capacidade de processar informações e evoluíram em um mundo sem ciência e outras formas de checagem de fatos. Nossa preocupação era simplesmente a sobrevivência e tudo aquilo que não se relacionava a ela não tinha importância. Não “treinamos” cognitivamente o discernimento.

Segundo, a ignorância ainda prevalente em grande parte da população. Faltam-nos informações precisas que nos ajudem a desenvolver um raciocínio lógico.

E, finalmente, um terceiro fator: nossa lealdade a uma subcultura da qual fazemos parte. Todos nós nos identificamos com tribos ou subculturas particulares e cada uma delas abraça um credo sobre assuntos diversos. Essa crença pode se tornar a pedra de toque, uma senha, um lema, uma marca distintiva, um valor sagrado ou um juramento de fidelidade a uma dessas tribos. O pastor, o padre, o médium pensam assim e garantem que é assim. Por fidelidade a eles, abdico da faculdade do raciocínio e penso assim também.

Fica claro, pelo exposto, que lideranças (talvez fique melhor falar-se em “pseudolideranças”) autoritárias de direita ou esquerda não se incomodam com isso. Quanto menos pensamento crítico, mais submetidos estarão todos aos seus comandos.

O caminho para a construção de um pensamento lógico, segundo o psicólogo de Harvard, não pode ser outro, se não a educação progressista e o esclarecimento libertador, trabalhando junto às consciências o mais precocemente possível, no desenvolvimento da habilidade do pensar racional.

Allan Kardec também pensava assim: só a educação pode melhorar o homem. Curiosamente, o Codificador faz referência indireta ao tema, quando examina a estatística dos espíritas, em artigo na Revista Espírita de janeiro de 1869. Procurando entender o fato de haver significativa maioria masculina nas reuniões espíritas –na época 70% eram homens –, Kardec relaciona a dificuldade de grande parte das mulheres em assimilar o pensamento espírita à menor escolaridade delas, à época, o que limitaria o desenvolvimento do pensamento racional.

É algo digno de nota o fato histórico de que as mulheres passaram a ter acesso a uma escolaridade equivalente à masculina apenas no século XX. A educação feminina, à época de Kardec, seguia restrita aos cuidados com a casa, o marido e os filhos. As escolas secundárias para as meninas sequer ofereciam em seu currículo o ensino de ciências[ii]. No Brasil, apenas em 1879 o governo imperial permitiu, condicionalmente, a entrada feminina nas faculdades. As candidatas solteiras deveriam apresentar licença de seus pais; já as casadas, o consentimento por escrito de seus maridos[iii].

Voltando ao tema, verificamos o que escreveu Kardec:

Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria. É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens[grifos nossos][iv].

Parece bem definida no pensamento de Kardec a relação estabelecida entre educação estreita e pensamento mágico, advertindo que a aquisição de funções cognitivas que levam a um pensar racional passa por um processo educacional apropriado.

Com a palavra, os educadores!


[i] PINKER, Steven. O novo Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

[ii]LEJEUNE, Philippe.Le Moi desdemoiselles: Enquêtesurlejournal de jeunefille (La Couleur de lavie). Paris: Du Seuil, 1993.

[iii]FERNANDES,Fernanda.A história da educação feminina.Rio de Janeiro: Multi Rio, 2019.

[iv] KARDEC, Allan. Revista Espírita – jornal de estudos psicológicos[janeiro de 1869].Catanduva: EDICEL, 2016.

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