Teresa de Jesus e sua mediunidade: no caminho do encontro com Deus – 2ª parte

Luciana Barbosa

Continuando a análise da mediunidade de Teresa D’Ávila, iniciada na edição anterior, destacamos ainda mais alguns pontos sobre sua vidência e outras faculdades de que foi portadora.

Para a Doutrina Espírita, Espíritos imperfeitos ou sofredores são aqueles que ainda se comprazem em fazer o mal e não se esforçam por se melhorar. No desdobramento do questionamento sobre os médiuns, continua o Codificador: “Se o médium perfeito só simpatiza com os Espíritos bons, como permitem estes que ele seja enganado?” E recebe como resposta: “Os Espíritos bons permitem, às vezes, que isso aconteça com os melhores médiuns, para lhes exercitar a ponderação e para lhes ensinar a discernir o verdadeiro do falso.”1

Teresa atesta essa afirmação e, sempre que tinha a visão de Espíritos imperfeitos, não se cansava de dizer que foi por permissão de Deus para que ela não se vangloriasse de suas faculdades mediúnicas. Teresa tinha uma afinidade especial e íntima com os bons Espíritos. Os Espíritos sofredores que via não conseguiam enganá-la, pois ela já sabia identificá-los através das impressões ruins ou pelas falas e gestos sem nenhum aprofundamento que lhe infundiam.

Importante anotarmos aqui o profundo senso crítico de Teresa. Em pleno século XVI, ainda sob os rigores da Inquisição e da perseguição de seus contemporâneos, não só viveu intensamente o seu apostolado mediúnico, como conseguiu classificar e categorizar sua experiência. Muitas vezes precisou enfrentar seus próprios companheiros de fé que não compreendiam tais expressões e as classificavam como algo do demônio, que devia ser abolido. É assim que Teresa não só fez a distinção entre as manifestações de Espíritos inferiores que podem se passar por bons, como também diferenciou aquilo que pode ser produzido tão somente pela imaginação da criatura do que tem origem mediúnica.

Nesse sentido, também afirmou que o que provém do intelecto é pensamento furtivo, que passa e fica esquecido, enquanto o que provém de Deus subsiste. Embora a lembrança do que aconteceu nesse estado se enfraqueça com o tempo, nunca se perde totalmente. Quando as revelações não são reais, a alma fica árida, inquieta, e não tira proveito da experiência.

Outro ponto que ela assinala para se perceber a diferença é o tratamento das Escrituras. Para ela, qualquer fala ou visão que for contra o que prega o Evangelho está fadada ao erro. Para falar de forma tão lúcida e profunda sobre esses detalhes da vivência mediúnica, Teresa as experenciou de forma intensa. Assim, muitas vezes viu e ouviu Espíritos em sofrimento ao seu lado, dizendo as coisas mais ímpias ou tentando lhe infundir temor. Entre muitos outros exemplos,

Eu estava certa vez num oratório e me apareceu, do lado esquerdo, uma figura abominável; percebi especialmente a boca, porque falava: era horrível. Parecia que lhe saía do corpo uma grande chama, muito clara, sem nenhuma sombra. Disse-me, aterrorizando-me, que eu me livrara de suas garras, mas que voltaria a elas (…).

Livro da Vida, 31,2

2) AUDIÊNCIA

Os médiuns audientes são aqueles que ouvem os Espíritos, seja através de uma voz interior que se faz ouvir no foro íntimo, ou exterior, ouvida clara e distintamente como se fosse de uma pessoa viva.  

Para Kardec, quando os médiuns “(…) têm o hábito de se comunicar com determinados Espíritos, eles os reconhecem imediatamente pela natureza da voz.” Teresa relata que, quando estava com grandes temores ou angústia, bastava uma frase dita por Jesus e sua alma acalmava por completo. Entre vários exemplos, destacamos:

“Encontrando-me eu com essa grande fadiga (…), bastaram-me estas palavras para me tirar dela e apaziguar-me por inteiro: Não tenhas medo, filha, pois sou Eu, que não te desampararei; não temas (…). E eis-me sossegada, só com essas palavras; eis-me forte, disposta, segura, em quietude e iluminada, e a tal ponto que vi minha alma transformada por inteiro”.

Livro da Vida, 25,18

Certamente, a experiência mediúnica pela qual Teresa é lembrada nos dias de hoje é o êxtase, imortalizado pelo escultor italiano Bernini, em obra presente hoje na Igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma

 3) ÊXTASE

Teresa de Jesus tornou-se conhecida por suas experiências de êxtases, transes e levitações. Depois de um estado de êxtase, narrado no Livro da Vida, representado na escultura de Bernini, em que um anjo traspassa seu coração com uma flecha de fogo, é que a curiosidade sobre seus estados especiais se acentuou.

Uma leitura superficial da obra de Teresa de Jesus pode levar ao equívoco de se pensar que ela desejava que suas companheiras do Carmelo compartilhassem seus êxtases, ou que as incitava a isso. Nada mais errôneo. Em nenhum de seus escritos há exortação para que suas irmãs carmelitas se esmerassem na busca de êxtases ou arroubos místicos. Pelo contrário, estava sempre a exortar sobre a humildade que se deve ter e como essas graças de Deus não são o ponto principal de seu amor.

Para a Doutrina Espírita, o estado de êxtase se diferencia do sonambúlico porque, neste, a alma vê e compartilha do mundo terrestre, ao passo que no êxtase “(…) penetra o mundo dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem, todavia, poder ultrapassar certos limites, que não poderia transpor sem desfazer totalmente os laços que a prendem ao corpo3.” Ainda sobre o assunto, “no estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo; ele só mantém, por assim dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma está ligada a ele apenas por um fio, que um esforço a mais poderia romper para sempre. Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que é a própria essência do nosso ser imaterial4.” Para o extático, o aniquilamento do corpo é quase total, como se a alma estivesse ligada a um tênue fio, que poderia se romper a qualquer momento, tal a força e intensidade desse transe mediúnico. Assim, “(…) o extático encara a vida apenas como uma parada momentânea; para ele, os bens e os males, as alegrias grosseiras e as misérias da Terra não passam de incidentes fúteis de uma viagem, da qual se sente feliz por ver o termo5.” Narra-nos Teresa uma de suas experiências de êxtase:

Estando assim a alma a buscar a Deus, sente-se quase desfalecer completamente, numa espécie de desmaio, com grande e suave ternura. Vê que lhe vão faltando o fôlego e todas as forças corporais, de modo que nem pode menear as mãos, a não ser com muito custo. Os olhos fecham-se involuntariamente, ou, se conservados abertos, a pessoa nada enxerga. Se lê, não acerta com as letras, nem atina em reconhecê-las; vê os caracteres, mas, como o intelecto não ajuda, não consegue ler nem que queira. Ouve, porém, não entende o que ouve, de modo que os sentidos de nada lhe servem. Antes procuravam estorvar essa felicidade. É impossível falar: não atina com uma só palavra e ainda que atinasse, não teria alento para pronunciá-la. Toda força exterior se perde e se concentra nas da alma. Estas aumentam para que ela se rejubile mais na sua glória. O regozijo exterior que se sente é grande e bem manifesto.

Livro da Vida, 18,10

4) LEVITAÇÃO

Na Codificação, Kardec trata do fenômeno da levitação em alguns momentos6 e, com base nos conceitos espíritas, é possível apreender as características desse fenômeno. Assim define levitação Lamartine Palhano Júnior, no Dicionário de Filosofia Espírita:

Ato ou efeito de levitar. Fenômeno psíquico, anímico ou mediúnico, no qual a pessoa ou coisa ergue-se acima do solo sem uma razão visível, apenas devido à força mental, de um encarnado ou desencarnado, que movimenta fluidos ectoplasmáticos7 capazes de produzir uma alavanca psíquica suficientemente forte para vencer a força da gravidade. É um fenômeno de efeito físico8.

Entende-se daí que o fenômeno de levitação pode ser composto por dois efeitos, o anímico, com forças do próprio encarnado, ou através da atuação dos Espíritos que, atuando nos fluidos através do pensamento, conseguem, por instantes, anular o efeito da gravidade sobre os corpos. Muitas biografias de outros santos, além de Teresa, narram esse fenômeno. Dentro das narrativas de Teresa sobre suas levitações, podemos perceber a atuação dos Espíritos nesse fenômeno, que se dava sempre sem sua vontade e de forma arrebatadora: 

Isso acontece de maneira tão forte que muitas vezes tentei resistir, empregando todas as minhas forças, especialmente em situações públicas, e também estando a sós, pois temia ser enganada; algumas vezes eu conseguia, mas com grande prostração, como quem combateu um forte gigante, ficando depois exausta; outras eu não o podia: a alma era arrebatada e quase sempre levava a cabeça atrás de si, sem que eu pudesse controlar, havendo ocasiões em que o corpo inteiro ficava suspenso do chão.

Livro da Vida, 20, 4

Quando questionada pelos seus confessores sobre quais proveitos tirava dessas manifestações, Teresa dizia que os efeitos finais para a alma são vários: a constatação do grande poder de Deus que há acima dela, um poder maior em que ela em nada pode interferir, o que imprime humildade à alma. Outro efeito é o desapego, não só do espírito, mas também do próprio corpo. As coisas da terra deixam de ter valor, o que torna a vida menos penosa. Por fim, a alma fica entregue a um grande tormento, pois que já não consegue consolação ao voltar a si. Fica toda tomada de um grande desejo de Deus, o que causa aflição, já que ainda se encontra nessa vida e nesse corpo. Elucida-nos:

(…) mas a alma parece não ter consolo do céu nem estar nele, ao mesmo tempo que não mais habita a terra, cujo consolo não quer; ela parece estar crucificada entre o céu e a terra. Com efeito, o que vem do céu (que é, como eu já disse, uma notícia tão admirável de Deus que supera tudo quanto possamos desejar) lhe causa mais tormento, visto aumentar tanto o desejo que às vezes priva a alma dos sentidos, embora por pouco tempo

Livro da Vida, 20,11

5) PREMONIÇÕES

Kardec deu o nome de médiuns de pressentimentos àqueles que, através de suas especificidades mediúnicas, conseguiam descortinar os véus do futuro através de intuições, visões ou informações dos Espíritos.

Em O Livro dos Espíritos, Kardec fez uma série de perguntas a respeito do conhecimento do futuro. Na questão 868 pergunta: “Pode o futuro ser revelado ao homem?” E os espíritos respondem: “Em princípio, o futuro lhe é oculto e somente em casos raros e excepcionais Deus permite que seja revelado”. Na questão 870 lemos: “Se convém que o futuro permaneça oculto, por que Deus permite que ele seja revelado algumas vezes?” Ao que os Espíritos respondem: “Ele permite quando esse conhecimento prévio deve facilitar a execução de alguma coisa, ao invés de dificultá-la, induzindo o homem a agir de modo diverso do que faria, caso não tivesse esse conhecimento”.

Nos exemplos de premonição narrados por Teresa, observamos que é esse o caso. São-lhe facultados conhecimentos a respeito do futuro para facilitar muitas de suas obras, em especial nas fundações de mosteiros; ou para que possa auxiliar a alguém. A ela foram reveladas as datas da morte de muitos de seus familiares e amigos. Longe de lhe abalar, essas “notícias” lhe fortaleciam a fé e promoviam em seu Espírito um maior desejo de ajudar e de manter aquelas pessoas em suas orações. Deixemos que ela fale:

Todas as profecias que me têm sido reveladas sobre esta casa e sobre vários acontecimentos, alguns já referidos e outros de que virei a falar, se têm cumprido. Em alguns casos, três anos antes de se realizarem, elas me foram ditas pelo Senhor. Em outros casos, mais cedo e, em outros ainda, mais tarde (…).

Livro da Vida, 34,18

Enfim, muitos outros exemplos de visão, audição, premonição e êxtases permeiam a obra desta incansável religiosa do século XVI. Todavia, mais que informações sobre sua mediunidade, pretendemos mostrar com estas páginas a grandiosidade de uma alma entregue à mediunidade com Jesus. Não nos importam tanto os fenômenos, posto que estes, como nos assevera a Doutrina Espírita, são naturais, mas, sim, ver a beleza da vida de uma alma que se entregou por inteiro à vivência dessa mediunidade, absorvendo dela um avanço espiritual, compreendendo o amor ao próximo como verdadeira realização da alma: “Eis porque o Espiritismo Cristão ensina que a vidência espiritual e demais gêneros de mediunidade, amplamente manifestos nas vidas dos Santos da Igreja tanto quanto na mediunidade honesta dos templos espíritas, são (…) aspectos espirituais da personalidade humana em expansão, em crescimento para Deus e para novas formas de evolução do espírito9.”

Teresa de Jesus nunca se cansou de ensinar a humildade, a oração e o amor ao próximo. Fez de seu apostolado de amor um exemplo de comunhão com Deus. Esse Deus que brilha dentro de nós, que nos ama, que quer ser nosso amigo e espera de nós somente a abertura a seu amor. Dessa forma, descobrir-nos é descobrir a Deus. Ler Teresa de Jesus é estar, então, em um encontro com o nada de tudo que é transitório, é perceber que nossa compreensão humana do que é visto e sentido pode ter uma ressignificação quando a alma se permite entrar em contato com uma outra realidade, com a realidade do amor de Deus que traz paz e a alimenta de bênçãos. 

Os textos de Teresa têm essa característica: saciam aquele que lê de uma realidade tão profundamente divina que o faça entrar em contato com o seu eu mais profundo, sem razões ou intelecto, mas com amor! Pois Teresa já dizia que compreendia perfeitamente que falassem de Deus com mais ciência ou intelecto que ela, mas que ficaria imensamente infeliz se alguém pudesse falar dele com mais amor!

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 20.
  2.  KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 14.
  3.  KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 19.
  4.  Idem.
  5.  Idem.
  6. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013, 2a p., c. 2 e 4; KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 14 e 15; etc.
  7. Ectoplasma (do grego: Ektós = indica movimento para fora; plasma = obra modelável): substância plástica. Palavra usada por Charles Richet para definir uma substância caracterizada como uma espécie de plasma, flexível, viscoso, incolor e inodoro, sensível ao pensamento, que escapa do organismo de certos indivíduos, através dos poros e dos orifícios naturais do corpo.
  8. JÚNIOR, Lamartine Palhano. Dicionário de Filosofia Espírita. Rio de Janeiro: CELD, 2012.
  9. TAVARES, Clóvis. Mediunidade dos Santos. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1988, p. 34.

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