Arte e Espiritismo

Rogéria Olimpio dos Santos

O que há de sublime na arte é a poesia do ideal, que nos transporta para fora da esfera acanhada de nossas atividades. Mas, o ideal paira exatamente nessa região extramaterial onde só se penetra pelo pensamento; que a vista corporal não pode varar, mas que a imaginação concebe. Ora, que inspiração pode o Espírito haurir da ideia do nada?[1]

Allan Kardec escreve “sobre as artes em geral” e sobre “a regeneração delas por meio do Espiritismo” quando discorre sobre a “influência perniciosa das ideias materialistas”, texto que foi colocado na primeira parte do livro Obras Póstumas[2]. Neste texto, Kardec analisa como o materialismo afeta as artes em geral, chamando a atenção, assim como Léon Denis[3] fará no início do século XX, para a necessidade de se moralizar as artes, ao mesmo tempo em que refletem sobre como o Espiritismo pode contribuir para que isto ocorra.

As atividades artísticas no meio espírita já há algum tempo são vistas com uma certa reserva. Quando se trata de seu uso nas atividades de evangelização infantil, é considerada bem-vinda. Nas atividades da mocidade ou juventude espírita, também ainda é bem-vinda, mas, na opinião de muitos, deve ser acompanhada de perto, o que causa um desconforto entre os jovens que se sentem vigiados, como se não fossem capazes de agir com bom senso. Falta ainda uma regularidade ou um entendimento claro de como se deve trabalhar com arte dentro do Movimento Espírita. Não pretendemos aqui trazer receitas, mas reflexões em torno dessa linguagem. Começaremos recordando a construção do próprio conceito ou ainda do entendimento do que é arte.

Durante muito tempo, entendeu-se arte enquanto domínio técnico destinado a suprir as necessidades do povo. Objetos de arte não eram feitos sem necessidade ou visando somente os aspectos estéticos. Agregava-se a beleza, a harmonia e o equilíbrio na execução daquilo que era necessário para os cultos, para os objetos, para as construções, para tudo que era produzido pelo homem. A esse conceito de arte enquanto domínio técnico foi agregado, durante o século XX, o conceito de arte enquanto expressão da cultura dos variados povos que formam a humanidade, levando-se em conta o tempo, o lugar e as circunstâncias em que foi produzida. Esta visão mais recente sobre a arte leva em conta as características de cada cultura e o significado desta produção artística para o grupo ao qual ela se destina. E é nesse sentido que esta conceituação nos traz de volta à discussão proposta por Kardec.

Quando Kardec escreveu sobre as artes em geral e comentou sobre a decadência das artes do seu tempo, não pensou no sentido de decadência deste ou daquele estilo, de preferência desta ou daquela corrente artística. É preciso entender a essência. As artes têm sido estudadas nas últimas décadas por seu caráter de linguagem. É assim que elas são colocadas nas áreas de conhecimento da atualidade. Entendendo o campo das artes enquanto linguagem, cabe questionar quais as mensagens que estão sendo transmitidas através deste formato de linguagem, através deste mecanismo de comunicação. Quando Kardec recorda que “toda transformação filosófica acarreta necessariamente uma transformação artística paralela”[4], dialoga àquela época com o conceito mais recente de arte no campo da antropologia mencionado acima. O pensamento de um povo vai se refletir na produção artística deste povo.

Chegamos então no ponto que nos interessa mais claramente. Sabemos que as produções artísticas do mundo atual refletem a própria condição da humanidade. A arte é uma linguagem que transmite informações, ideias, pensamentos e sentimentos. O que estamos vendo é a fala da humanidade no momento em que vivemos. E sabemos que o caos, o desespero, o materialismo, o individualismo e o sexismo estão presentes com uma intensidade que demonstra o desequilíbrio presente em nós. A diferença, em nosso caso, está no fato de que sabemos que nossa existência aqui é passageira, que nossa meta aqui nesta experiência encarnatória prevê que saiamos daqui melhores do que chegamos. É necessário entendermos que o roteiro é a sublimação dos nossos sentimentos, a depuração das virtudes, é nos libertarmos dos vícios que ainda trazemos e que foi motivo de queda em tantas experiências que já tivemos lá atrás. Léon Denis afirma em O Espiritismo na Arte que “o objetivo essencial da arte é a procura e a realização da beleza; é, ao mesmo tempo, a procura de Deus, pois que Deus é a fonte primeira e a realização perfeita da beleza física e moral”[5].

Cabe então uma pergunta simples, que vale tanto para nossas vidas, quanto para nossas atividades nas nossas casas espíritas. O que estamos expressando através das linguagens artísticas que usamos para nos comunicar? Dissemos antes que a ideia aqui não é trazer receitas, mas, por enquanto, suscitar reflexões. Precisamos, no momento, conhecer melhor as ferramentas que temos nas mãos, até para usá-las com mais consciência e bom senso. Saber adequar o trabalho artístico às finalidades a que se propõem nos mais variados segmentos das nossas vidas e das nossas casas, entendendo que este trabalho deve colaborar para nossa elevação, para nossa transcendência em direção à nossa realidade de Espírito em processo de evolução.


[1] KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 40a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010, p. 174.

[2] KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 40a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010, pp. 173 a 178.

[3] DENIS, Léon. O Espiritismo na Arte. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2a ed., Rio de Janeiro: CELD, 2014.

[4] KARDEC, Allan. Obras Póstumas.40a ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2010, p. 176.

[5] DENIS, Léon. O Espiritismo na Arte. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2a ed. Rio de Janeiro: CELD, 2014, p. 19.

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