De ‘O Médium’ de ontem: Lição para bem morrer

Suely Caldas Schubert
Publicado na revista O Médium, no458, set/1978

Lázaro, sai para fora!
(Jo11:43)

Diz o venerável Bezerra de Menezes, em belíssimo trecho do livro “Obreiros da Vida Eterna”[1], que a passagem evangélica em que Jesus operou o retorno de Lázaro à vida física lhe valeu como precioso recurso pela ocasião de sua desencarnação: “(…) a lembrança de Jesus ao pé de Lázaro foi ajuda certa ao meu coração.(…) Busquei insular-me, cerrar ouvidos aos chamamentos do sangue, fechar os olhos à visão dos interesses terrenos, e a libertação, afinal, deu-se em poucos segundos”.

Evidentemente que Bezerra de Menezes era um espírito de escol, um apóstolo do amor e da caridade, cuja existência foi um modelo de abnegação, espiritualizado o bastante para merecer uma desencarnação consciente e suave.

Entretanto, nós outros, espíritos endividados, resgatando o passado, podemos e devemos nos mirar não só nos exemplos de vida do “Kardec brasileiro”, mas também no testemunho que deu de como morrer bem.

O que observamos em nosso meio é que poucos espíritas encaram a hora da desencarnação como um processo normal, natural e sem mistérios. E ainda mais: que bem poucos admitem aceitar a morte; que quase sempre ninguém gosta de falar sobre o assunto; e que muitos encaram o momento final no corpo físico com muito receio, sempre dizendo que gostariam de ficar mais tempo, viver mais, como se a existência na Terra fosse a única ou a melhor.

A desencarnação, entretanto, é um tema para ser debatido, aprofundado e, sobretudo, preparado pelo espírita.

(…) apenas lastimo [diz Bezerra de Menezes] aqueles que se agarram em demasia aos caprichos carnais. Para esses, sim, a situação não é agradável, porquanto o semeador de espinhos não pode aguardar colheita de flores. Os que se consagram à preparação do futuro com a vida eterna, através de manifestações de espiritualidade superior, instintivamente aprendem todos os dias a morrer para a existência inferior[2].

Esse “aprender a morrer” deve se tornar mais consciente a cada dia em que vivemos. É um esforço de aprendizagem que acompanha aquele outro que caracteriza o espírita: a reforma interior. Desde que estejamos lutando pela nossa transformação moral, a aceitação e a compreensão de todos os fatos da efêmera existência terrena devem estar presentes dentro de nós.

Ainda não nos acostumamos a visualizar a vida física como um estágio, um interregno entre a nossa anterioridade e a continuidade infinita que nos aguarda.

Estreitamos a nossa visão ao acanhado limite do vaso carnal, viciando a nossa mente a transitar apenas nas ocorrências dos brevíssimos dias terrenos.

A Doutrina Espírita está mostrando os panorâmicos horizontes que nos aguardam e conclamando a que nos preparemos para atingi-los.

“Morrer é mais fácil que nascer”, diz Bezerra a Adelaide, serva dedicada que se libertava do cárcere do corpo. “Ajude a você mesma, libertando a mente dos elos que a imantam a pessoas, acontecimentos, coisas e situações da vida terrena. Não se detenha. Quando for chamada, não olhe para trás”[3].

Lição grandiosa para bem morrer e para bem nascer para a Vida Verdadeira.

Mas, não podemos esquecer que tanto Bezerra quanto Adelaide se prepararam durante toda a romagem terrestre para o momento do regresso à Pátria Espiritual. São, assim, dois exemplos dignos de serem imitados.

Léon Denis, em seu livro “O Grande Enigma”, analisa os estágios da vida: nascimento, juventude, velhice e morte, colocando-os ao nosso entendimento com aquela beleza e grandiosidade que caracterizam todas as suas obras.

Ninguém morre só, pela mesma forma que ninguém nasce só. Os invisíveis que o conheceram, que o amaram, que o assistiram aqui, em nosso orbe, vêm ajudar o moribundo a desembaraçar-se das últimas cadeias do cativeiro terrestre. (…) A morte é, simplesmente, um segundo nascimento; deixamos o mundo pela mesma razão porque nele entramos, segundo a ordem da mesma lei[4].

Enquanto é tempo, trabalhemos na Vinha do Senhor. O trabalho edificante e a aquisição dos legítimos valores morais são o nosso passaporte para transpormos com serenidade a aduana do túmulo.

Desapego aos bens materiais e desapego aos afetos mais caros, duas atitudes definitivas para a nossa preparação. Desapegar-se no sentido de não nos sentirmos donos das coisas e principalmente das pessoas. O nosso amor aos entes queridos é muita vez mesclado com o sentimento egoísta de posse. Livrar-se desse sentimento exclusivista, conquistando o amor em bases mais puras, sublimadas, representará um passo decisivo para a nossa iniciação como cidadão da eternidade.

Conseguindo essa visão nova, num processo lento e gradual de amadurecimento, de compreensão da morte, teremos obtido o essencial para facilitar os preparativos para a grande e inevitável viagem.

E, quando o instante chegar, quando sentirmos soar o nosso derradeiro momento na Terra, lembremo-nos do conselho de Bezerra de Menezes, dos ensinamentos de Jesus, e saiamos do casulo carnal com a fé e a confiança do verdadeiro espírita.

A morte – a desencarnação – será então um suspiro tranquilo de quem fecha uma porta e abre outra para o infinito.


[1] XAVIER, Francisco Cândido. Obreiros da vida eterna. 33a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 19.

[2] Idem.

[3] Idem.

[4] DENIS, Léon. O grande enigma. 8a ed., Rio de Janeiro: FEB, 1988, conteúdo resumido e c. 15.

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