O Movimento Espírita durante e após a pandemia: implicações nos métodos de trabalho

Daniel Salomão Silva

É inegável que a pandemia do novo coronavírus mudou a vida de toda a humanidade. Dos cuidados de higiene a questões emocionais, tudo foi afetado. Estamos mais distantes dos entes queridos, mais expostos ao estresse e à ansiedade, e eventualmente forçados a olhar o mundo através das telas de computadores e celulares. O Movimento e os Centros Espíritas igualmente tiveram suas atividades interrompidas ou modificadas, o que merece atenta reflexão.

Os Espíritos já nos esclareceram em O Livro dos Espíritos sobre as finalidades e peculiaridades dos flagelos destruidores, que nos impelem a “progredir mais depressa” e são necessários “para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize, em alguns anos, o que teria exigido muitos séculos”1. Se não desejamos ou buscamos o sofrimento, somos convidados a olhar para ele com os olhos do espírito, encarando-o como ensejo à revisão de convicções e à modificação de condutas. São oportunidades para o ser humano de “exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo”2. Para os interesses deste texto, destacamos o exercício da inteligência na adaptação e adesão a novas formas de comunicação.

Em primeiro lugar, destacamos as reuniões virtuais ou meets, através de aplicativos como Google Meet, Zoom, Skype etc. Apesar de já existirem antes do atual momento, tornaram-se fundamentais ao prosseguimento de reuniões, estudos e palestras espíritas. As reuniões de diretoria passaram a ocorrer on-line e, mesmo demandando maiores cuidados na redação e assinatura de atas, permitiram a continuidade da administração de nossas instituições. A propósito, em relação às atas, para evitar problemas em sua validação, destacamos a importância de se consultar previamente advogados, contadores, cartórios ou outros órgãos de fiscalização e registro, pois as novas regras têm variado de local para local. 

Algumas instituições têm também realizado suas palestras através dos meets, que, para grupos pequenos, têm a vantagem de aproximar mais as pessoas, permitindo que se vejam enquanto ouvem a exposição e, eventualmente, que participem da mesma com mais facilidade. O mesmo ocorre com os grupos de estudo, que primeiro viram a possibilidade de manterem seu funcionamento por meio desta modalidade virtual3. A forte interação entre os membros, algo fundamental a essa tarefa, é permitida por essas plataformas, o que não ocorre através das lives. Naturalmente, alguns cuidados devem ser tomados com a vestimenta, com a ligação do microfone apenas quando preciso (evitando ruídos) – e falando um de cada vez! –, com as conversas paralelas (através dos chats escritos), e mesmo com a extensão dos encontros, afinal, reuniões on-line longas têm se mostrado cansativas. 

Com relação aos participantes, devem se esforçar por manter a atenção, pois assistir de casa é um convite ao relaxamento ou à realização concomitante de outras tarefas. Alguns conseguem lidar bem com isso, manter a concentração necessária ao estudo. Outros, não. Uma boa estratégia para o coordenador ou palestrante é sempre convidar os participantes à fala, pois a possibilidade de participação é uma motivação à atenção. Além desses aspectos mais específicos, devemos ter o cuidado de não transportar para a modalidade on-line os maus hábitos e equívocos dos trabalhos presenciais equivalentes, visto que os meios tecnológicos também vão transmiti-los. 

Uma frase de Santo Agostinho, encarnado, resume bem essa questão: “a sabedoria e a ignorância são como alimentos, proveitosos ou nocivos, e as palavras, elegantes ou rudes, como pratos preciosos ou toscos, nos quais se podem servir a ambos”4. Ou seja, independentemente dos meios utilizados, simbolizados pelos “pratos”, podemos transmitir bons ou maus “alimentos”.

Por fim, salientamos que não é adequada a realização de reuniões mediúnicas pelos meets, como recomenda o bem embasado documento publicado pela FEB5. Todavia, o mesmo documento destaca a possibilidade de trabalhos de irradiação, tão necessários para o momento. Outra importante tarefa também deve ser lembrada: a de atendimento ou diálogo fraterno6. Com todos os desdobramentos da pandemia e do isolamento social, é notável o aumento de dificuldades de cunho emocional e, justamente nesse momento, os centros estão de portas fechadas. Naturalmente, todas as ferramentas apresentadas acima, somadas ao aplicativo WhatsApp e ao próprio telefone, estão disponíveis para a continuidade da tarefa. 

Contudo, alguns cuidados são necessários7, tais como a solicitação de autorizações por escrito do atendido, que atestem seu compromisso com sigilo e privacidade, ou do responsável, no caso de o atendido ser menor de idade. Além disso, a instituição deve fornecer e-mail ou número de telefone (com WhatsApp) específico para o trabalho, garantindo que apenas o atendente tenha acesso. Importante é que não se deixe de realizar o trabalho, visto que o apoio espírita é mais que fundamental nesse período. 

As lives são outra modalidade de trabalho virtual que tem sido utilizada pelo Movimento Espírita. Diferenciam-se dos meets basicamente por serem voltadas a públicos maiores, por ficarem mais frequentemente gravadas (é possível gravar meets também), e por permitirem menor interação entre o público e o expositor, ainda que esta seja possível. São transmitidas, em geral, pelas tradicionais redes sociais, como Facebook, Instagram e YouTube8, e, às vezes, por intermédio do StreamYard ou outra plataforma semelhante. De certa forma, já vinham sendo utilizadas anteriormente, inclusive para cursos espíritas a distância, mas se popularizaram fortemente neste período de isolamento social. Cabe salientar que os cuidados com elas devem ser os mesmos recomendados para os meets.

Tanto para o uso de lives quanto de meets, o maior investimento em planos de internet, aplicativos e equipamentos é do usuário (no caso, o “frequentador” ou expositor espírita). Todavia, devemos nos questionar: o que o Centro Espírita ou a Federativa devem comprar/contratar? Em geral, para o básico, como transmitir uma palestra pública ou um grupo de estudos, não é necessário fazer investimentos. As plataformas citadas acima são gratuitas. Contudo, para funcionalidades mais profissionais, mais tempo de comunicação ou transmissão em várias plataformas ao mesmo tempo, há equipamentos, planos e aplicativos pagos específicos. Para esse uso, recomendamos fortemente o apoio de profissionais do ramo (voluntários ou contratados), para que a instituição não se veja frustrada em seus nobres objetivos.

Porém, diante de todas essas possibilidades, observamos muitas pessoas e instituições que, compreensivelmente, têm dificuldade em adotar a comunicação virtual, pelos mais diversos motivos. Se a dificuldade do usuário ou da instituição espírita passa pela condição financeira, não entendemos como grave abrir mão dessas novas ferramentas. Os frequentadores que puderem, e desejarem, podem participar de palestras e grupos temporariamente em outros centros espíritas, sem nenhum prejuízo. A propósito, não devemos “tirar férias” do Espiritismo nesse momento, mas aproveitar para ler e estudar as obras espíritas e assistir aos excelentes trabalhos disponíveis gratuitamente na internet, quando possível. Entretanto, se a dificuldade está em não saber usar as plataformas, recomendamos o esforço pelo aprendizado. Fechar-se ao que é novo, por comodismo ou insegurança, é agir contrariamente ao progresso, tão defendido pelo Espiritismo9. Argumentos como “sou muito velho para isso” não são mais válidos em uma sociedade em que a idade, por si só, não é impedimento ao crescimento intelectual.

E, de tudo o que foi apresentado acima, o que vai continuar quando retornarmos à normalidade? Bem… Esperamos que tudo continue! Entretanto, não substituindo ou eliminando as atividades presenciais, mas servindo de complemento a elas. Por exemplo, palestras ou reuniões em cidades distantes, que demandariam viagens cansativas, custosas e, eventualmente, arriscadas, poderiam ser feitas on-line; pessoas com impedimentos de saúde teriam maior facilidade de acesso a essas atividades, que poderiam ser desenvolvidas de forma mista: uma reunião presencial com transmissão simultânea pela internet. Naturalmente, para esse tipo de atividade, os centros espíritas precisarão fazer um investimento financeiro e, reforçamos, consultar um especialista. Destacamos também que essa não deve ser uma preocupação para centros menores que, porventura, possam não ter condições para tal. Cada um faz como pode!

Enfim, já nos alertava o Codificador, há um bom tempo, que “dois elementos hão de concorrer para o progresso do Espiritismo; estes são: o estabelecimento teórico da Doutrina e os meios de popularizá-la”10. Logo, abraçar a tecnologia não é apenas uma possibilidade, mas uma obrigação do Movimento Espírita, que pode potencializar seu trabalho de divulgação, sem proselitismo, mas com amplitude e qualidade.

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76a ed., Rio de Janeiro: FEB, q. 737.
  2. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76a ed., Rio de Janeiro: FEB, q. 740.
  3. AEE/FEB. AEE on-line – Sugestões para o estudo do Espiritismo. Acessado em 23/09/2020 em https://www.febnet.org.br/portal/2020/06/13/aee-on-line-sugestoes-para-o-estudo-do-espiritismo/.
  4.  SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 105.
  5. AM/FEB. Inconveniência das reuniões mediúnicas virtuais. Acessado em 23/09/2020 em http://www.febnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2020/05/inconveniencia-das-reunioes-mediunicas-virtuais.pdf.
  6. ANAE/FEB. Orientação para o Atendimento Espiritual no Centro Espírita. Acessado em 23/09/2020 em https://www.febnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/07/Orientacao-para-o-Atendimento-Espiritual-no-Centro-Espirita.pdf.
  7. DAE/AME/JF. Atendimento fraterno – cuidados on-line Acessado em 23/09/2020 em htpps://amejf.org.br/dae/
  8. ACSE/UEM. Passo a Passo nas redes sociais. Acessado Passo a passo para redes sociais em 23/09/2020 em htpps://www.uemmg.org.br/nocias/
    uem-lanca-passo-passo-para-redes-sociais.
  9. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76ª ed., Rio de Janeiro: FEB, q. 779 e seguintes.
  10. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro N. Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009, “Projeto 1868”.

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