Tem sentido escrever nomes em papéis para irradiação?

Daniel Salomão

Em artigo anterior desta revista, abordamos os cuidados necessários em uma reunião de irradiação com as informações fornecidas de terceiros. Afinal, em atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), nomes e endereços daqueles para quem se irradia devem ficar restritos à equipe de trabalho, a qual, “séria e real adepta dos preceitos espíritas, jamais ferirá a ética cristã ou passará a pessoas alheias à tarefa informações sobre aqueles a quem se deseja sinceramente ajudar.”i

Essa prática ocorre em alguns centros espíritas: o frequentador chega, pega um pedaço de papel, uma caneta, escreve o nome e, eventualmente, o endereço de um amigo ou ente querido que esteja enfrentando algum desafio ou dificuldade. Atendendo à LGPD, essa informação é então colocada em uma urna, apenas acessível a certos trabalhadores da instituição.

Todavia, temos observado alguns justos questionamentos sobre a real necessidade de se registrar esses nomes e endereços, o que nos motiva a retornar ao tema. Afinal, como entende Kardec, a observação, o exame e o raciocínio são ferramentas indispensáveis ao estudioso espírita perante as instruções dos Espíritos.ii Nessa direção, o objetivo deste texto, longe de determinar uma melhor prática ou de condenar alguma outra, é mostrar a razoabilidade desse costume, sua coerência com as bases doutrinárias e sua descrição em obras subsidiárias.

Um argumento contrário à prática se baseia na bem conhecida capacidade que têm os Espíritos de saber o que pensamos. Como atestam vários textos, “os Espíritos podem conhecer os nossos mais secretos pensamentos.”iii Afinal, “criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa” [grifos do autor], permitindo aos desencarnados sua observação.iv Por esse princípio, a escrita em papéis seria desnecessária, já que os Espíritos poderiam identificar nas mentes dos que entram nos centros espíritas as pessoas com quem se preocupam. Porém, seria essa ação trabalhosa ou possível em grandes volumes de frequentadores? Não seria prudente e caridoso auxiliar os Espíritos?

Para alguns, a simples oração individual pela pessoa querida dentro do centro resolveria esse problema, informando suficientemente os Espíritos. Esse argumento tem sentido quando reconhecemos a capacidade que todos temos de orar, dentro ou fora do centro espírita, pedindo intercessão por aqueles que amamos.v Não faltam exemplos nas obras subsidiárias em que determinado Espírito é solicitado por encarnados ou desencarnados a auxiliar algum indivíduo e deixa suas tarefas para atendê-lo.vi Porém, analisamos aqui pedidos feitos à equipe espiritual vinculada à determinada instituição espírita, que já tem todo um trabalho estruturado: nesse caso, sabemos se essa equipe, ocupada nas mais diversas tarefas, estará disponível para esses registros de nossas preces e pensamentos a qualquer momento? Mesmo envolvida em outros assuntos, registrará nossas demandas? Em nosso entendimento, a resposta mais prudente é: não sabemos. Contudo, o registro em papéis, que pode ocorrer esporadicamente, poderá ser checado pelos Espíritos tarefeiros quando julgarem mais apropriado ou no momento já definido para o trabalho de irradiação. Dessa forma, desconhecendo em detalhes suas práticas e preferências, “pecamos” pelo excesso de zelo.

Agora, já admitindo a escrita nos papéis, alguém poderia ainda argumentar: mas e durante o processo de escrita? Os Espíritos não estariam ali lendo os pensamentos concomitantemente? Isso não dispensaria o trabalho de irradiação posterior? Ainda que tecnicamente possível, pelo que expusemos, respondemos mais uma vez: não sabemos. Outros ainda diriam, baseados em descrições de obras subsidiárias: mas não há equipamentos usados pelos Espíritos que poderiam cumprir essa função, captando e armazenando pensamentos para posterior organização? Sim, claro, mas não os conhecemos, nem sabemos se todos os Espíritos têm acesso a eles. Ademais, importante é tomar cuidado com generalizações de casos particulares descritos, por exemplo, nas obras do Espírito André Luiz. Se o próprio autor espiritual não o faz, muito menos nós devemos admitir cegamente a uniformidade nos trabalhos de colônias ou equipes espirituais.

Além disso, nos trabalhos de irradiação estão também envolvidos os encarnados. Nesses encontros, trabalhadores de ambos os planos se unem na tarefa, irradiando, ou seja, direcionando aos nomes escritos pensamentos pela sua saúde e auxílio. A leitura desses nomes ou pelo menos a exposição dos papéis sobre uma mesa orientará esse direcionamento dos pensamentos e das tarefas de auxílio. Afinal, ainda que os Espíritos possam resolver muitos problemas sem os encarnados, permitem que os auxiliemos no processo, exercitando a caridade.

Por fim, trazemos agora dois exemplos da vasta obra de André Luiz que corroboram nossas conclusões. Na obra Os Mensageiros encontramos breve descrição dessa prática, destacando, inclusive, a ação de auxílio dos Espíritos:

Reparei que num ângulo da grande mesa havia numerosas indicações de receituário e assistência. Os mais variados nomes ali se enfileiravam. Muitas pessoas pediam conselhos médicos, orientação, assistência e passes. Quatro facultativos espirituais se moviam diligentes e, secundando-lhes o esforço humanitário, quarenta cooperadores diretos iam e vinham, recolhendo informações e enriquecendo pormenores.vii

A demandas, dos mais diversos teores, eram escritas em papéis e atendidas por grande e dedicada equipe de trabalho. Entretanto, em obra posterior, o detalhamento da tarefa é ainda maior. Em Nos domínios da mediunidade, trecho que também destacamos em nosso artigo anterior, o autor espiritual acompanha os trabalhos mediúnicos de uma casa espírita, especialmente os da médium Ambrosina. Nesse caso, não se trata de um trabalho de irradiação em grupo, contudo, o texto destaca que “junto dela, em oração, foram colocadas numerosas tiras de papel. Eram requerimentos, anseios e súplicas do povo, recorrendo à proteção do Além, nas aflições e aperturas da existência.”viii Antes do início dos auxílios, foi colocada junto à médium uma espécie de televisor, pelo qual podia ser vista cada pessoa ausente, citada naqueles papéis (observem que, nesse caso, mesmo com a ajuda de tecnologia, os papéis não foram dispensados).

Dessa forma, os benfeitores “a distância [da pessoa citada no papel], contemplavam-lhe a imagem, recolhiam-lhe os pensamentos e especificavam-lhe as necessidades, oferecendo a solução possível aos pedidos feitos”. Porém, para recolher todas essas informações, “trabalhadores das nossas linhas de atividades são distribuídos por diversas regiões, onde captam as imagens de acordo com os pedidos que nos são endereçados, sintonizando as emissões com o aparelho receptor sob nossa vista.”ix Nesse caso, é importante a informação sobre os endereços, o que orientará a movimentação da equipe espiritual, facilitará a coleta das informações necessárias sobre os reais problemas dos encarnados e a implementação das possíveis soluções.

Enfim, pelo que apontamos acima, entendemos como possíveis as seguintes conclusões:

  1. O Espiritismo, negando qualquer dogmatismo, não está isento de questionamentos em suas práticas e métodos: pelo contrário, seu caráter progressivo determina exame permanente;
  1. Não há em nossas bases doutrinárias algo que desqualifique a prática em questão;
  1. Porém, como temos poucas descrições dessa tarefa sob o ponto de vista espiritual, não podemos assumir uma uniformidade de ação entre as equipes de trabalho espirituais: não agirão necessariamente conforme os exemplos acima;
  1. Logo, pelo pouco que sabemos, é razoável assumir que a escrita confidencial de nomes e endereços em papéis, para posterior irradiação ou oração, possa funcionar como mecanismo de auxílio a amigos e entes queridos, ainda que outros métodos possam ter igual ou superior efetividade.

i SILVA, Daniel Salomão. Irradiação – o que os Espíritos precisam saber. Revista O Médium, n. 740. Juiz de Fora: AME/JF, mai/jun, 2021.

ii KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 1, i. 13.

iii KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 457.

iv KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 14, i. 15.

v KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 662.

vi XAVIER, Francisco Cândido. Nosso lar. Pelo Espírito André Luiz. 59ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2007, c. 50; XAVIER, Francisco Cândido. Missionários da luz. Pelo Espírito André Luiz. 42ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2007, c. 7; XAVIER, Francisco Cândido. Entre a terra e o céu. Pelo Espírito André Luiz. 27ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2015, c. 1.; XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 28ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2008, c. 12; entre outros.

vii XAVIER, Francisco Cândido. Os mensageiros. Pelo Espírito André Luiz. 27ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 1994, c. 46.

viii XAVIER, Francisco Cândido. Nos domínios da mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2017, c. 16.

ix Idem.

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3 Resultados

  1. Sinesio Guimarães disse:

    Bom dia ! Ser espírita, não é fácil né !!!
    Essa questão de irradiação escrita ou não, é muito relativa ! Eu penso, se a pessoa recorre à irradiação escrita, é porque ela tem alguma dificuldade de criar um clima favorável, apenas falando, talvez a facilidade que ela tenha escrevendo, não tenha falando. Não sei se fui claro, mas eu percebo, que a maioria das pessoas, sentem alguma dificuldade nesse quesito, devido ao problema de inibição, ou coisa semelhante…

  2. Sandromar disse:

    Excelente revista, poderia ter em PDF para baixar

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