Incontáveis imperativos da constante renovação

Rogério Coelho

Segundo John Stuart Mill, “(…) entre as obras do homem que a vida humana se dedica a melhorar, a aperfeiçoar e embelezar, a mais importante é – com certeza – o próprio homem.”[1]

Não sem motivo, Kardec ensina: “(…) reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as suas inclinações más.” [2]

Alguns psicanalistas, como John Bowlby e D. W. Winnicott, consideram que a arte de manter a tranquilidade é um dom fundamental da vida, chegando mesmo a afirmar que tal arte é a mais essencial de todas as ferramentas psíquicas. Portanto, não é sem motivo que Jesus, o maior psicanalista de todos os tempos, nosso perfeito psicoterapeuta divino, alardeava em alto e bom som a necessidade da manutenção da paz a todo preço. Por isso mesmo, podemos observar que – à guisa de saudação – Ele sempre dizia com muita frequência: “paz seja convosco”. Inclusive ao voltar das sombras tumulares e aparecendo para seus assustados discípulos, suas primeiras palavras foram estas, repetindo-as seguidamente na mesma oportunidade, conforme podemos observar pelo registro neotestamentário de João (20:19-21).            

O Espírito Fénelon afirma, sem rebuços: “(…) a paz do coração é a única felicidade real neste mundo.” [3] Sem paz, como poderemos ascender na escala espiritual? Como comparecer ante os Espíritos superiores com pedras na mão, plenos de resíduos da Terra?

Para a construção da paz íntima, contamos com os alcandorados recursos oferecidos pelo meigo Rabi Galileu, e a Doutrina Espírita está posta no sentido de auxiliar-nos nessa ingente e sublime escalada. Precisamos, portanto, conforme aprendemos com a questão 886 de O Livro dos Espíritos, ter “benevolência para com todos, indulgência para com as faltas alheias e perdão das ofensas.”

Quando Jesus chama nossa atenção para a reconciliação rápida com os adversários (Mt 5:25-26), está indicando o acesso aos Páramos Celestes. Aí, então, poderemos ter a certeza absoluta de que nossas oferendas de humildade e perdão serão aceitas e de que o Reino dos Céus abrirá as portas da nossa alforria espiritual.

Nesse passo, não podemos descartar as palavras sábias do mentor de Chico Xavier, quando, para facilitar-nos o trânsito evolutivo sem tropeços, ensina: “Divino Semeador, Jesus sabia que não basta plantar os bons princípios e sim, oferecer, antes de tudo, à semente favoráveis condições, necessárias à germinação e ao crescimento.”[4]

Diante das criaturas dominadas pelo mal, Jesus enche-se de profunda compaixão e tolerância construtiva: aos enfermos não indaga quanto à causa das aflições que os vergastam, para irritá-los com re­clamações, mas auxilia-os e cura!

Os apontamentos que dirige aos pecadores e transviados são recomendações doces e sutis: ao doente curado no Tanque de Betesda (Jo 5), expli­ca, despretensioso: “vai e não reincidas no erro para que te não aconteça coisa pior.”

À pobre mulher, quase apedrejada em praça pública (Jo 8), adverte, bondoso: “vai e não peques mais”. Não indica o inferno às vítimas da sombra. Reergue-as, compassivo, e acende-lhes nova luz. Compreende os problemas e as lutas de cada um.

Sabe que Pedro é frágil, mas não desespera e confia nele.

Contempla o torvo drama de Judas, no entanto, não o expulsa.

Reconhece que a maioria dos beneficiários não se revelam à altura das concessões que solicitam, contudo, não lhes nega assistência.

À frente de Pilatos e de Ântipas, não pede providências suscetíveis de lançar a discórdia, mesmo a título de preservação da justiça.

Sem impacientar-se com a presença dos malfeitores que também sofreram a crucificação, inclina-se amistosamente para eles e busca entendê-los e encorajá-los.

À turba que o rodeia com palavrões e cutiladas, envia pensamentos de paz e votos de perdão. E, ainda além da morte, não evita os companheiros que fugiram. Aparece diante deles, induzindo-os ao serviço da regeneração com o incentivo de sua presença e de seu amor até o fim da luta.

Em todas as passagens do Evangelho, perante o coração humano, sentimos no Senhor o campeão da simpatia, ensinando como sanar o mal e construir o bem. E, desde a manjedoura, sob a Sua divina inspiração, um novo caminho redentor se abre aos homens, no rumo da paz e da felicidade, com bases no auxílio mútuo e no espírito de serviço, de bondade e de confraternização.

Enfim, explica a nobre mentora de Divaldo Franco: “(…) quando os sentimentos de solidariedade humana se tornarem ativos no organismo da sociedade, multiplicando os bens acumulados que serão distribuídos equanimemente, não haverá escassez de alimentos nem de paz, porque todos os homens se sentirão irmãos, protegendo-se e ajudando-se uns aos outros com o mesmo espírito de direitos e desincumbência dos deveres.”[5]                                                              


[1] MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos da filosofia – Lições preliminares. 8ª ed., São Paulo: Mestre Jou, 1908, p. 11.

[2] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 2019, c. 17, i. 4.

[3] Idem, c. 5, i. 23.

[4] XAVIER, Francisco C. Roteiro. Pelo Espírito Emmanuel. 8ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 1989, p. 83 a 85.

[5] FRANCO, Divaldo P. Jesus à luz da psicologia profunda. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2000, p. 49.

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