Ismael e a Missão espiritual do Brasil

Christane Drux

Nos tempos bíblicos…

Falar de Ismael é considerar uma antiga parceria. Um amálgama de vibrações cordiais, provindas do coração, em favor do nosso Brasil. No livro bíblico Gênesis, vamos encontrar nos capítulos 16 e 21 referências a este varão nascido das raízes do povo hebreu. Primogênito do pai Abraão, que foi precursor de todas as 12 tribos de Israel, Ismael nasce a partir de uma aquiescência de Sara, que não podia ter filhos, para que o esposo pudesse lhes garantir a descendência com a escrava egípcia Agar.

Após a concepção de Ismael, Agar passa a desprezar sua senhora e o relacionamento entre ambas fica difícil. A crise culmina com a expulsão de Agar para o deserto. Na jornada, Agar ouve a voz de um anjo do Senhor junto à fonte no caminho de Sur: “Agar, escrava de Sarai, donde vens? E para onde vais? (…) volta para a tua senhora e humilha-te diante dela. (…) estais grávida e vais dar à luz um filho, darás a ele o nome de Ismael, porque o Senhor te ouviu na tua aflição” (Gn 16:8-11). Agar cumpre a recomendação do anjo e Ismael nasce sob a tutela de Abraão.

Poucos anos depois, por insondáveis questões dos desígnios de Deus, Sara concebe um filho de Abraão e este ganha o nome de Isaac. O desconforto de Sara em relação a Agar e Ismael reaviva e ela pede a Abraão para expulsá-los novamente. Mãe e filho partem com pão e apenas um odre de água pelo deserto de Bersabeia. Nesta jornada, quando Agar perdia a esperança de saírem com vida da caminhada, ouviu novamente a voz do anjo do Senhor: “Que tens, Agar? Nada temas, porque Deus ouviu a voz do menino do lugar onde está. Levanta-te, toma o menino e segura-o pela mão, porque farei dele uma grande nação” (Gn 21:17-18).

Assim, estabelecem-se os povos árabes, sob a liderança do hábil flecheiro Ismael, no deserto de Farã. Justifica-se pelos antagonismos familiares a histórica rivalidade entre o povo judeu, sob a liderança de Abraão, e Ismael, seu filho, representando o povo árabe.

Os dois episódios de exílio no deserto atestam a parceria e ligação do menino Ismael com Jesus e sua missão na Terra. Foi o fundador das nações árabes para, mais tarde, ser o anjo tutelar da nossa pátria no então desconhecido Novo Mundo.

Na época medieval, a regência do mundo, onde se travavam também as lutas evolutivas mais numerosas, tinha como cenário tanto o Ocidente quanto o Oriente. A Casa Real Portuguesa recebe em cargo de liderança e nobreza um filho dileto. No século XIV, nascia, em 1394, o filho de D.João I e de D.Filipa de Lencastre, reis de Portugal, o heroico Infante de Sagres, D.Henrique de Avis, que impulsionou a vocação marítima portuguesa e dinamizou o mercantilismo através da famosa Escola de Sagres. Cumpria, apesar do entorpecimento do espírito mergulhado na carne, a tarefa que assumiu em decisiva assembleia no espaço, quando, no último quartel do século XIV, Jesus realizou uma de suas visitas periódicas à Terra.

Na reunião de Espíritos Superiores e colaboradores do Mestre, ficou estabelecido que, para conter os graves problemas sociológicos do mundo, que prevaleciam frente ao esquecimento dos conceitos evangélicos, no período histórico conhecido como Idade Média, seria necessária uma atitude de mudança nos destinos humanos. Para isso, Helil (ou Hilel), um dos mensageiros de Jesus, judeu que havia estabelecido em uma de suas encarnações os princípios religiosos de um sistema de tolerância e amor, sistema conhecido como Hilelismo, deixa também naquela assembleia uma contribuição luminosa. Sugere ao Mestre uma saída para os sofrimentos coletivos:

Senhor, se esses povos infelizes, que procuram na grandeza material uma felicidade impossível, marcham irremediavelmente para os grandes infortúnios coletivos, visitemos os continentes ignorados, onde espíritos jovens e simples aguardam a semente de uma vida nova. Nessas terras, para além dos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamento cristão, dentro das doutrinas do amor e da liberdade[i].

Em Terras Além-Mar

E, assim, cumpriu-se a destinação renovadora das Américas, Terras Além-Mar, em cujo seio a Pátria do Cruzeiro ganharia protagonismo nesta missão libertadora: nosso Brasil, sementeira e celeiro deste roteiro de redenção, porto seguro para as aspirações sublimes dos emissários divinos. Decidiu o Mestre:

Para esta terra maravilhosa e bendita, será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal. Sob estes céus serão entoados os hosanas mais ternos à misericórdia do Pai Celestial. Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o Velho do Novo Mundo. (…) Aqui, Helil, sob a luz misericordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado o coração do mundo![ii]

Foi assim que se consagrou nosso grandioso destino frente ao concerto das nações. Helil, como Infante de Sagres, em rota de testemunho maior, desbravou mares para singrar, em tarefa constituinte da maior escola de navegação dos tempos dos descobrimentos, até seu destino, que nasce sob a vocação do legado do Cristianismo Primeiro, evocando seus conceitos morais para ser o coração do mundo e a pátria do Evangelho.

Missão espiritual do Brasil

Em nossa marcha, através dos tempos, temos o dever de considerar o valor espiritual da nossa pátria e, com nossas ações e movimentos, chancelarmos a vocação deste grandioso destino. Atestou o doce Rabi da Galileia:

A região do Cruzeiro, onde se realizará a epopeia do meu Evangelho, estará antes de tudo, ligada eternamente ao meu coração. As injunções políticas terão nela atividades secundárias, porque, acima de todas as coisas, em seu solo santificado e exuberante estará o sinal da fraternidade universal, unindo todos os Espíritos[iii].

Jesus estará conosco eternamente, em laços indissolúveis, orientando e vendo se cumprir em solo fértil e dadivoso a saga de seu Evangelho de amor. É inquestionável o potencial e a magnitude das riquezas materiais do nosso Brasil, mas propomos aqui aguçar o nosso olhar para um foco intrínseco: o Brasil Espiritual, de povo fraternal e generoso, que sonha e trabalha; cuja alma se transformou em “flor amorosa”, tendo em suas sementes o vigor da miscigenação racial. Sem dúvida, veremos no futuro a terra do Cruzeiro escrever sua história de realizações morais em favor do mundo.

Jesus transplantou da Palestina para o Brasil a árvore magnânima do seu Evangelho. Neste projeto de amor e sabedoria, fez-se cumprir a característica de acolhimento e afetividade do povo brasileiro. Todos os povos possuem finalidades no concerto das nações. Foi aqui o solo escolhido para ser fincada a bandeira de Ismael – Deus,Cristo e Caridade –, trazendo a essência dos valores morais em favor do mundo. Nessa abençoada tarefa de espiritualização, caminhamos na vanguarda, sob a inspiração generosa de Ismael, preposto de Jesus e protetor espiritual do Brasil.

Momentos de transplante

Dois foram os momentos de transplante. No primeiro, a Palestina se perdeu em guerras fraticidas e separatismo religioso. Ficaram ali submersos, entre os interesses imperialistas romanos e o ódio dominante do orgulho e vaidade farisaicos, os ideais do Cristianismo Primitivo. Também a Europa, no segundo momento, não soube agasalhara revivescência da mensagem cristã, que, em formato redivivo, ofertado pelo mestre lionês e Codificador da Doutrina dos Espíritos, Allan Kardec, viu diante de novos apelos materialistas a mensagem se esmaecer.

No Brasil, a Terceira Revelação ganhou novo fôlego. Em 1873, o Espírito Ismael comunica-se pela primeira vez, por via mediúnica, no Grupo Confúcio, e revela a missão do Brasil e as contribuições de seu povo em era regenerativa: “o Brasil tem a missão de cristianizar. É a Terra da Promissão. A Terra de todos. A Terra da fraternidade. A Terra de Jesus. A Terra do Evangelho. Na Era Nova e próxima, abrigará um povo diferente pelos costumes cristãos”.

Desde o “Grupo Confúcio”, fundado em 1873, passando pela Sociedade de Estudos Espíritas “Deus, Cristo e Caridade”, que data de 1876, até o “Grupo Espírita Fraternidade”, de 1880, para posterior fundação da FEB, as iniciativas dos pioneiros sempre concorreram para a orientação espiritual de tornar o Espiritismo no Brasil estreitamente ligado ao Evangelho.

Em 2 de Janeiro de 1884, companheiros espíritas, liderados pelo jornalista Augusto Elias da Silva, fundavam a Federação Espírita Brasileira. Dentro das mais sadias expressões da Doutrina, os confrades ouviram a recomendação póstuma de Allan Kardec, por meio da mediunidade de Frederico Junior. A exortação do Codificador, por psicografia, mobilizou os corações combativos, que não mediram esforços para dar ao Movimento Espírita a clareza do estudo, somado à caridade e à unificação. Estava lançada a vocação primeira desta doutrina libertadora, a necessidade da obra evangélica, fazendo ressurgir na terra do Cruzeiro a doutrina de amor, do Mestre Nazareno.

Jesus, governador do nosso planeta, viu germinada a semente, que em estufa de amor e lealdade, se vitalizou por mãos de nobres jardineiros. Bezerra de Menezes, à frente de ação renovadora, exortava a todos pela unificação da família espírita. A palavra de Max, pseudônimo que adotou, nas colunas do renomado jornal “O Paiz”, apresentava as mais belas palavras, de forma consoladora. Na mesma época, em 1885, confrades do Grupo Ismael, com Sayão e Bittencourt Sampaio, vivificavam a célula da evangelização, tendo êxito em reunir verdadeiros discípulos da grande oficina do Evangelho. A semeadura foi consagrada. A sociedade benemérita onde se ergueu a flâmula luminosa “Deus, Cristo e Caridade” configurou-se em programa ideal e sua composição, tendo o modelo de organização federativa, traduziu fidelidade ao diapasão do Cristianismo Primitivo, onde o pão dividido é a causa generosa da verdade e da luz, para o triunfo do Evangelho.

A primeira sede própria da FEB foi inaugurada no Rio de Janeiro no dia 10 de dezembro de 1911. Reproduzindo as palavras de Ismael, podemos afirmar: “Sim! O fruto amadureceu. E, na hora precisa, por todos pôde ser saboreado, meus amigos – por todos os arrebanhados por mim para preparar o celeiro”. Para ultimarmos nossas ideias nesse artigo que vos escrevo de coração, lanço palavras, como o ilustre navegante que se lança ao mar. Singrando os destinos da grande família terrena, temos no Brasil, Pátria do Cruzeiro, o porto seguro e acolhedor dos desvalidos em suas trajetórias espirituais. Náufragos das emoções em desalinho, aportados nesta Terra da Promissão, onde se renovam a cada noite, pelo cintilar do Cruzeiro do Sul, a vocação consoladora do Mestre, que se imolou no madeiro infame da cruz para nos apontar as estrelas e a noção de vida futura. É a terra escolhida e preparada pelo Cristo, em parceria com Ismael e todos os demais prepostos, para a remissão, para a oferta de oportunidade aos espíritos desejosos em resgatar seus débitos e promoverem o impulso necessário para suas trajetórias evolutivas. O paraíso, não no sentido estático e morno da palavra, em significado de contemplação inútil, mas a região paradisíaca onde exercitaremos nossa filiação divina, dando cumprimento à lei natural que nos garantirá progresso e aperfeiçoamento.


[i] XAVIER, Francisco Cândido. Brasil,coração do mundo,pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 25a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2000, cap. 1.

[ii]Idem.

[iii]Idem, cap. 2.

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