Descriminalização
Ricardo Baesso de Oliveira
Ainda se discute a possibilidade de descriminalização de práticas como o aborto, o uso de drogas e a posse/porte de armas. A esse respeito, trago para a reflexão o seguinte pensamento de André Luiz:
É imperioso, assim, que a sociedade humana estabeleça regulamentos severos a benefício dos nossos irmãos contumazes na infidelidade aos compromissos assumidos consigo próprios, a benefício deles, para que se não agreguem a maior desgoverno, e a benefício de si mesmo, a fim de que não regresse à promiscuidade aviltante das tabas obscuras, em que o princípio e a dignidade da família ainda são plenamente desconhecidos.[1]
André se referia ao divórcio, que não deveria ser facilitado, mas o texto se aplica a outras questões importantes. A ideia central é essa: deve a sociedade estabelecer regulamentos severos para proteger o indivíduo de si mesmo e proteger a sociedade de ações que coloquem em risco o bem-estar pessoal e coletivo.
Alguns indivíduos não precisam de regras para agir corretamente, outros, apesar das regras de comportamento social, se conduzirão de forma indesejável, mas existe uma multidão de pessoas, entre esses dois extremos, que podem caminhar para um lado ou para outro, dependendo de certas condições. E os princípios estabelecidos como normas podem, para esse grupo, se constituir de um freio salutar.
Quase sempre, a flexibilização social de regras de comportamento se acompanha de um agravamento nos índices do malfeito. De forma equivalente, as interdições e a vigilância em relação ao cumprimento dessas proibições se mostram efetivas na redução de atitudes indesejáveis.
Vejamos alguns exemplos.
A campanha de esclarecimento dos malefícios do cigarro e diferentes leis proibitivas relacionadas ao tabagismo reduziu de 34,8%, em 1989, para 12,6 %, em 2019, o percentual de tabagistas no Brasil.[2]
A lei seca, relacionada à condução de veículos sem uso prévio de bebidas alcoólicas, reduziu significativamente o número de mortes no trânsito.[3]
A criminalidade aumenta quando se legaliza a posse/porte de armas.[4] Em uma análise publicada em 2017 sobre o assunto, o professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pesquisador em análise econômica do direito Thomas Conti aborda 61 trabalhos acadêmicos sobre o tema publicados entre 2013 e 2017, muitos deles revisões a partir de outras dezenas de pesquisas. Ele conclui que “as evidências são completamente contrárias à afirmação de que colocar mais armas em circulação não aumentaria o número de mortes acidentais.”[5]
Desde a legalização do uso recreativo de maconha no Canadá, em outubro de 2018 (o Canadá tornou-se o primeiro país do G7 onde o consumo recreativo também é legal), o consumo da droga cresceu no país, de acordo com um novo estudo da Insight West, instituto de pesquisas canadense. Segundo a pesquisa, quase um quarto dos entrevistados (23%) afirmou ter feito uso da droga desde a legalização. Dentre os antigos consumidores, 16% também afirmou que aumentou o consumo depois que ele foi legalizado.
Mesmo com a liberação, 38% dos consumidores de maconha afirmaram ter adquirido a droga ilegalmente no primeiro trimestre de 2019, pois o preço da droga é mais baixo no mercado ilegal, cerca de 40% inferior.[6] O Statistics Canada, outro instituto que mede as estatísticas do país, estima que cerca de 75% dos usuários de maconha ainda a usam ilegalmente.[7]
Após a legalização do aborto no Reino Unido, o número anual de abortos subiu de 23 mil para 191 mil, um aumento de 730%, diante de um crescimento populacional de apenas 10% ao longo do mesmo período.[8]
Logo, se desejamos uma sociedade próspera, pacífica e feliz, devemos buscar uma aproximação cada vez maior das leis humanas com as leis divinas. O que não é bom para Deus, não pode ser bom para o homem.
Kardec esclarece:
Jesus quis dizer que era necessário que a lei de Deus fosse cumprida, ou seja, que fosse praticada sobre toda a Terra inteira, em toda a sua pureza, com todos os seus desenvolvimentos e consequências, pois de que serviria ter estabelecido essa lei se fosse para privilegiar alguns homens ou mesmo um só povo? Todos os homens, sendo filhos de Deus, são, sem distinções, objetos do mesmo cuidado.[9]
[1] XAVIER, Francisco Cândido, pelo Espírito André Luiz. Evolução em dois mundos, 2ª p., c. 8.
[2] Instituto Nacional do Câncer, 05/03/2021.
[3] Correio Brasiliense, 18/06/2020.
[4] BBC News Brasil,1º de agosto de 2019, ‘Se há mais armas, há mais crimes’, diz criminologista americano.
[5] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/20.
[6] https://www.gazetadopovo.com.br/instituto-politeia/maconha-canada-legalizacao.
[7] BBC News Brasil, 4 de janeiro de 2020.
[8] http://www.johnstonsarchive.net/policy/abortion/uk/ab-ukenglandwales.html.
[9] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, c. 1, i. 3.