Ufologia e Espiritismo
Daniel Salomão
Recentemente têm se multiplicado relatos de experiências com seres alienígenas, dentro e fora do Brasil, trazendo novamente à tona discussões que oscilam em importância desde a década de 50. Na imprensa,1 nas redes sociais, em documentários bem produzidos,2 e mesmo em depoimentos em instituições públicas,3 pessoas têm alegado contatos com indivíduos oriundos de outros planetas e observações de naves e luzes nos céus com movimentos incompatíveis com a nossa tecnologia. Alguns chegam até a defender uma possível invasão de outras espécies humanas, mais evoluídas, que contribuiriam para a melhoria do planeta.
Naturalmente, muitos têm ridicularizado esse tipo de discurso, como fruto de fantasias ou alucinações, que podem sim estar presentes. Além disso, fraudes são sempre possíveis. Todavia, dada a relevância que muitos indivíduos têm atribuído a esses registros, entendemos como importante refletirmos sobre a plausibilidade ou não de suas ideias, tanto a partir da ciência quanto das bases espíritas. Nesse sentido, o objetivo desse texto é pensar introdutoriamente sobre aproximações e distanciamentos entre a Ufologia – enquanto ramo de investigação não científico – e o Espiritismo, sobre possíveis visitas extraterrestres.
A primeira questão que devemos colocar é a seguinte: segundo o Espiritismo, existem seres extraterrestres? Já na Codificação Espírita vamos encontrar várias referências sobre o assunto. Em O Livro dos Espíritos, afirmam os instrutores que são habitados “todos os globos que circulam no espaço”, ainda que por seres com “organizações” e “condições de existência” diferentes da nossa.4 Dentre esses seres, naturalmente estão Espíritos em seus diversos graus de evolução, como assegura a reflexão subsequente sobre a “encarnação nos diferentes mundos”.5
Em nota à questão 188, Kardec chega até a trazer breves informações sobre a condição de planetas do nosso sistema solar. Parece que a diferença mais marcante entre os corpos físicos nos diversos orbes está em seu grau de materialidade, conforme o nível de pureza de seus habitantes.6 Em alguns, nem mesmo é necessário um envoltório além de seus próprios perispíritos.7
Como segunda pergunta, devemos nos questionar se esses habitantes de outros planetas podem visitar a Terra e em que condições. Pelo exposto acima, uma das possibilidades é por meio da reencarnação. Em seu processo evolutivo, os Espíritos se desenvolvem a partir das experiências em diversos contextos de existência, o que inclui a encarnação progressiva em mundos com graus de intelectualidade e moralidade diferentes.8 Logo, é natural que indivíduos que habitaram outros planetas possam renascer na Terra, alguns até mesmo com o objetivo missionário de nos auxiliar.9 Até mesmo grandes migrações de Espíritos são descritas como possíveis por Kardec, em verdade justificando expectativas de renovação da cultura e da moralidade terrestres.10 A ideia de transição planetária, bem evidente nas discussões espíritas das últimas décadas, tem aí a sua origem. Todavia, salvo melhor juízo, não temos acesso a detalhes de como ocorre esse processo de transporte dos Espíritos.
Uma outra forma de visita, também atestada por Kardec, é como desencarnados ou em estado de emancipação da alma, logo percebidos mediunicamente.11 Na mesma nota citada acima, informa que Espíritos que foram famosos na Terra “disseram estar reencarnados em Júpiter”, e que determinado Espírito evocado disse “estar encarnado há seis meses num mundo cujo nome nos é desconhecido”.12 Também na Revista Espírita vemos diversas descrições semelhantes. Esse trânsito interplanetário, quando se trata de Espíritos mais evoluídos, parece até ocorrer com certa facilidade, afinal, “para eles a distância que separa os mundos é menor do que a que, neste planeta, separa os continentes.”13
Notável é a quase ausência desse tipo de registro nas múltiplas obras mediúnicas brasileiras, em que os Espíritos priorizam as descrições de regiões espirituais da própria Terra. Uma importante exceção está na obra Renúncia, de Emmanuel, psicografada por Chico Xavier, em que uma breve referência a outro planeta nos é apresentada. Contudo, sem negar a possibilidade de comunicação mediúnica entre mundos, uma pergunta nos parece válida: em alguns dos casos registrados por Kardec, não teríamos comunicantes descrevendo o plano espiritual pensando estar descrevendo outro mundo? Ou, considerando a influência do próprio médium na captação mediúnica, não teríamos certa projeção de uma expectativa de contato interplanetário da época?14 Não sabemos.
Uma terceira forma de visita, mais próxima das expectativas da Ufologia, é com seus próprios corpos, encarnados, em naves ou não. Muitos indivíduos descrevem encontros com extraterrestres, visões ou mesmo visitas às suas naves de modo bem concreto. Tecnicamente, do ponto de vista espírita, nada há que contrarie esses relatos. A famosa posição de Emmanuel quanto ao “benefício” do insulamento do planeta Terra15 não deve soar como algum tipo de impedimento do contato “físico” entre humanidades de mundos distantes, mas que as grandes distâncias entre os planetas têm sua razão de ser. De qualquer forma, parece-nos que outras explicações são também plausíveis e encontram no Espiritismo bom embasamento.
Nos documentários que citamos em nota, encontramos descrições de aparições instantâneas desses possíveis alienígenas, seguidas de desaparecimento; seres flutuando, com cores e diferenças anatômicas dos seres humanos; objetos e luzes flutuantes e intermitentes; e grupos de testemunhas atestando o mesmo fato. Pois bem: tudo isso pode ser explicado como fenômeno mediúnico.
As aparições podem ser experiências de vidência ou mesmo materializações de Espíritos (desse ou de outros mundos), bem explicadas por Kardec.16 Nesses casos, o surgimento em ambientes fechados, a flutuação/volitação, bem como o desaparecimento instantâneo são explicáveis. Diferenças anatômicas são também justificáveis como alterações no perispírito, já atestadas por Kardec17 e popularizadas nas obras mediúnicas brasileiras. Ou, em se tratando efetivamente de Espíritos de outros planetas, podem ser próprias de suas constituições.
A possibilidade de existência de naves ou quaisquer estruturas no plano espiritual, inclusive tangíveis temporariamente para nós, também se alinha às descrições do mundo espiritual, incipientes em Kardec,18 mas bem desenvolvidas posteriormente.19 Quanto às luzes intermitentes, o fundamento é o mesmo.
Interessante obra que descreve fenômenos semelhantes é a de Rafael A. Ranieri, Manifestações luminosas. Em várias ocasiões, junto a determinados médiuns, o autor observou a materialização de globos de luz, que flutuavam, giravam, davam pequenos “saltos no ar” e desapareciam.
Por fim, em resumo, entendemos que são bem estabelecidos no corpo doutrinário espírita a pluralidade dos mundos habitados; a possibilidade de migração dos Espíritos entre esses mundos por variados motivos, particularmente por meio da reencarnação; e também a possível visita espiritual durante a erraticidade ou em momentos de desdobramento, mesmo entre planetas fisicamente distantes. Quanto às visitas de encarnados alienígenas à Terra, em naves espaciais ou coisa do tipo, não há objeção teórica do ponto de vista espírita, nem informações espirituais suficientes para que se confirmem. Nesse ponto, entendemos que a ciência terrestre pode dar mais contribuições a partir de observações e investigações sérias.
Enfim, identificamos pontos de aproximação entre as expectativas dos ufólogos e a teoria espírita, ainda que tenhamos a liberdade de acreditar ou não em naves extraterrestres e visitas de alienígenas. Todavia, nada há que oponha o Espiritismo à Ufologia.
1 CNN Brasil. Eles estão entre nós? Relembre famosos que já relataram experiências com OVNIs. Disponível em <cnnbrasil.com.br/internacional/eles-estao-entre-nos-relembre-famosos-que-ja-relataram-experiencias-com-ovnis/>. Acesso em 15 de fev. de 2025.
2 ENCONTROS extraterrestes. Direção: Yon Motskin. Produção: Netflix et al., 2023 (cf. Investigação alienígena, Top secret: OVNIs etc.).
3 VEJA. Audiência no Congresso dos EUA questiona segredos em torno de OVNIs. Disponível em <veja.abril.com.br/ciencia/audiencia-no-congresso-americano-questiona-segredos-em-torno-de-ovnis>. Acesso em 15 de fev. de 2025.
4 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 55 a 58 (descrições semelhantes aparecem nas demais obras da Codificação, bem como nas subsidiárias mais consensuais).
5 Idem, q. 172 a 188.
6 Idem, q. 181.
7 Idem, q. 186.
8 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 3.
9 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 175 e 178.
10 KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 11, i. 37; c. 18; KARDEC, Allan. O Livros dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 1019.
11 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 401.
12 Idem, nota à q. 188.
13 Idem, nota à q. 495.
14 COSTA, Vínicius L.; SILVA, Daniel S.; COELHO, Humberto S. Diálogos Espíritas. Pelo Espírito Ivon. Juiz de Fora: Ed. Primavera, 2019, q. 115.
15 XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2006, q. 74.
16 KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2008, 2. p., c. 6 e 7.
17 KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 14, i. 14.
18KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2008, 2. p., c. 8; A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 14; O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 2009, 2. p., c. 2, “Condessa Paula”.
19 Por exemplo, toda a obra do Espírito André Luiz, pelo médium Chico Xavier; toda a obra do Espírito Manoel Ph. Miranda, pelo médium Divaldo Franco; sobre o desenvolvimento desse pensamento na pesquisa espírita, excelente é o texto de Yvonne A. Pereira no c. 1 de “Devassando o invisível”.