Bóris e a Lei de Ação e Reação


Roni Ricardo Osorio Maia

Com base nas duas partes da narrativa “Lei de Ação e Reação”, do livro A eterna mensagem do monte, ditado por Leon Tolstói à médium Célia Xavier de Camargo, apresentamos a nossa síntese.

Boris Tchernigov vivia na Rússia, conforme descrição do autor espiritual, em uma próspera propriedade agrícola, com plantações de grãos que lhe proporcionavam a fortuna adquirida. Em uma manhã, uma visita não habitual aconteceu, quando o rico senhor meditava olhando as montanhas cobertas por neve que circundavam o território e o céu com sol fulgurante. Um humilde empregado denominado Pietr, o camponês (mujique), adentrou o ambiente particular. O patrão advertiu-lhe por estar ali. O trabalhador solicitava adiantamento de valor financeiro para levar o filho doente e febril até um povoado próximo, para ser medicado.

O rico senhor ficou irritado com a presença do servidor em sua intimidade. Mesmo com os rogos insistentes do pobre homem, despachou-o para as plantações, agressivamente e de forma autoritária. A irritação tomou conta do servo e ele intencionou revidar e atacar aquele ser altivo e arrogante, porém, conseguiu asserenar o ímpeto brutal e se retirou para a casa arrasado. Lá, ele reencontrou a esposa aflita com a febre do filho Nikita, um menino de sete anos. Nesse momento, um temporal caiu sobre a localidade, impossibilitando-o de pedir ajuda a outro conhecido. A esposa, então, providenciou um chá de ervas medicinais para o filho. O menino se restabeleceu um pouco, conversou com o pai, acalmando-o, e relembrou-lhe ensinamentos cristãos, como o perdão, ouvidos de um sacerdote que se hospedara naquele lar em outra ocasião.

O pai orou fervorosamente, pedindo à imagem de Nossa Senhora de Kazan. Inspirado, o filho contou ao genitor sobre a bonita senhora que havia visto, identificada como a santa. Todavia, era a despedida de Nikita, que parou de respirar em seguida, para desespero dos pais. Os genitores ficaram desalentados com a partida do pequeno filho, e um sentimento de revolta se apossou de Pietr.

Ele recebeu os companheiros da aldeia, que foram consolar a família. Até a senhora de Boris compareceu à humilde casa para levar as condolências ao casal. O patrão se isentou de solidarizar-se com a família. O camponês prostrou-se em casa, porém, quatro dias depois, retornou à lavoura com uma decisão: se vingar da omissão do patrão, assassinando o filho pequeno do rico homem.

Pietr aproximou-se do lar dos Tchernigov,observando o pequeno Igor e fazendo amizade com o garoto. Noutra oportunidade, convidou o menino para uma caminhada até o rio, para observar os peixes. Sua intenção era empurrar a criança na correnteza. O camponês, então, viu uma nuvem emergindo da água: era a materialização de Nikita, que lhe pedia para não cometer aquela falta gravíssima. O pai acatou o conselho e mudou de atitude, muito arrependido da disposição nefasta que se apoderara de sua consciência. Levou Igor de volta para a família, que, aflita, procurava o filho desaparecido. O garoto contou-lhes sobre o passeio e que havia sido socorrido pelo mujique quando quase caiu no rio, enquanto observava os peixes.

Em virtude dos agradecimentos calorosos dos patrões por ter socorrido o pequeno Igor, Pietrmudou de comportamento. Desfez-se da contrariedade e foi reconhecido por Boris Tchernigov. Diluiu-se o revide cultivado em pensamento, abandonando a intenção de vingar a morte de seu rebento, e confiou na Justiça Divina.

Anos mais tarde, em 1968, a saga continua com a história de um russo que vivia no Brasil, após a família ter deixado a terra natal no período da Revolução Bolchevista (1917). Era um pobre operário, morador de um humilde barraco localizado em uma favela do Rio de Janeiro. Era Boris Tchernigovreencarnado como Bóris.* A época era de repressão no país. Bóris havia fugido do comunismo soviético e teve de firmar sua conduta para não se comprometer no nosso país.

No trabalho, seu chefe tinha boa relação com os militares e facilitava a vivência de Bóris no Brasil. Sua família passava fome, e Bóris não aceitava aquela vida, se revoltando com a situação muitas vezes. Um certo dia, ao retornar do trabalho, encontrou o filho com febre. Saiu do morro para procurar ajuda com o patrão, que morava em um bairro rico da zona sul carioca. Ele caminhou o extenso trajeto até chegar à luxuosa casa, que, naquela noite, estava em festa. Na portaria da mansão, convenceu o porteiro a chamar o opulento patrão. O empresário atendeu-o muito mal, recriminando-o por procurá-lo fora do horário de trabalho. Em momento algum se interessou pela cena presenciada – o operário com o filho doente nos braços. Insensível, mandou-lhes embora do faustoso solar.

Arrasado, Bóris tinha ânsia de revidar e agredir aquele homem incompassivo, porém, resignou-se e caminhou com o filhinho nos braços pela avenida beira-mar. Mesmo exaurido e humilhado, reuniu forças morais e físicas para a longa caminhada. Foi então que resolveu orar, pedindo a Deus, em súplica sincera, assistência ao filho doente.

Andava em direção ao subúrbio da capital fluminense e, com surpresa, avistou uma casa com uma luz muito intensa para aquela hora da noite. Ele então resolveu pedir ajuda. Era uma instituição espírita, e Bóris conhecia a relação entre os espíritas e a caridade. Foi a primeira vez que entrou em uma casa espírita. Vislumbrou a sala de palestras e as cadeiras organizadas, a mesa ao fundo e livros nas estantes. No quadro, leu a frase: fora da caridade não há salvação.

Animado e esperançoso, Bóris encontrou-se com um simpático e cordial homem, de nome Pedro, que se manifestou para ajudá-lo, ao perceber a febre do menino. Havia um médico entre os tarefeiros do centro espírita e, logo, foi providenciada a medicação necessária. Com a possibilidade de ser pneumonia, todos se dirigiram ao hospital. Os novos amigos espíritas assumiram os custos da internação da criança. Bóris se sensibilizou e percebeu o auxílio divino para seus pedidos de pai aflito.

O russo agradeceu aos senhores prestimosos o acolhimento – ali se firmava uma amizade entre Pedro e Bóris. Novamente, estavam reunidos os dois Espíritos do início da história. Pedro teve a impressão de já conhecer Bóris, e a sensação de déja-vu** era a mesma em ambos os homens.

Com base na essência doutrinária, Leon Tolstói descreve esse reencontro, sabedor de que muitos devedores entre si estão pelo globo terrestre em reconciliações fraternas. Boris Tchernigov, o cruel e despótico proprietário de terras, reencontrava, em outra situação, outro tempo e outro local, o mujique Pietr, a quem prejudicou no passado. Há muito tempo o humilde trabalhador havia perdoado de coração o patrão, denotando progresso. Enquanto isso, o russo Boris Tchernigov defrontava-se com a cobrança dos seus atos passados, tendo a oportunidade de redimir-se perante a Justiça Divina e de sofrer da mesma maneira que fizera sofrer, por meio da Lei de Ação e Reação (terceira Lei de Newton aplicada espiritualmente).

Após o ocorrido com o filho, Bóris se tornou espírita, mudando seu comportamento para melhor, revelando-se um novo homem. Começou a tratar todos com cordialidade, foi promovido no trabalho, adquiriu mais conforto para criar seus filhos e, sobretudo, entendeu muitos motivos de suas reparações no presente, interpretadas anteriormente de forma errônea, sem conhecimento de causa.

Sua família também se juntou aos trabalhos do centro espírita e Bóris nunca mais se esqueceu de agradecer a Deus a oportunidade de conhecer esse manancial de luz, que é a Doutrina dos Espíritos, fonte que havia transformado sua vida e a de sua família. Bóris também compreendeu a mensagem de Jesus, entendendo o sentido do amor ao próximo.

* Na versão russa, o nome Boris está sem acento, mas, na vida brasileira, o nome consta com acento.
** Forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto (e, por ext., já ter vivido) alguma coisa ou situação de fato desconhecida ou nova para si; paramnésia.


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