A mente e o corpo

Coluna O Médium de ontem

Lucy Dias Ramos
Publicado na revista O Médium no 555, de set/out de 1990

Ainda não existem meios que atestem[1], para a ciência materialista, a força e o poder da mente na cura de doenças ou no equilíbrio da organização física. Tendo os cientistas que se apoiar em fatos concretos e comprovadamente corretos, nem sempre os valores do Espírito ou sua atuação podem ser auferidos materialmente, em horas pré-determinadas e sob leis da Física ou da Química.

Contudo, temos acompanhado, com interesse, pesquisas de cientistas que estudam a base de ligação da mente com o corpo, principalmente o ramo da Medicina que busca a solução para a cura de inúmeros males que afligem a humanidade.

Doenças como o câncer, a AIDS e outras infecções que, apesar do esforço de muitos cientistas, estão resistentes aos tratamentos até hoje aplicados, têm oferecido, no entanto, ensejo para exames e reflexões em torno da conotação e da interligação entre cérebro e sistema imunológico.

Pesquisas no campo dos sistemas imunológicos demonstram que células imunológicas bombeiam hormônios chamados linfoquinas, os quais, anteriormente, pensava-se que apenas funcionavam como mensageiros químicos nesses sistemas. Hoje, constata-se que alguns desses hormônios penetram no cérebro, agindo sobre o hipotálamo e a glândula pituitária [hipófise], que influenciam o campo emocional.

Nós, espíritas que estamos familiarizados com a interação Espírito-matéria, não vemos nessas pesquisas senão a confirmação científica de como a mente comanda todo o funcionamento da organização humana, alterando, modificando ou restaurando energias assimiladas por meio de nossos centros de força. O agente principal é o perispírito, cujo estudo e compreensão darão à ciência do futuro a chave para a solução de enfermidades e tratamentos adequados, tanto na área física quanto nas doenças mentais.

Allan Kardec já previra essa importância quando afirmou em A Gênese: “pela sua união íntima com o corpo, o perispírito desempenha um papel preponderante no organismo”,[2] e, posteriormente, em Obras póstumas, relatou:

o perispírito, como um dos elementos constitutivos do homem, desempenha importante papel em todos os fenômenos psicológicos e, até certo ponto, nos fisiológicos e patológicos. Quando as ciências médicas levarem em conta a influência do elemento espiritual na economia, grande passo terão dado e novos horizontes se lhes abrirão. Muitas causas de moléstias serão então descobertas, bem como poderosos meios de combatê-las.[3]

Quando os cientistas concluírem que sentimentos como tristeza, mágoa e solidão estão intimamente ligados ao surgimento de doenças, estarão a um passo da aceitação da mente como base de todo o mecanismo de equilíbrio ou desorganização celular, defesa e imunidade a certas moléstias. Se o sistema imunológico e o cérebro já estão conectados no nível biológico, a saúde mental também está obrigatoriamente ligada à física.

Conceitos como este mudarão profundamente o tratamento de certas enfermidades e darão novos rumos à Medicina nas pesquisas sobre vírus e na busca das defesas e vacinas como tratamento profilático para certas doenças.

Como o progresso moral está estreitamente ligado ao progresso material, também nos campos dessas pesquisas, as conquistas médicas, que tantos benefícios trarão para a humanidade, dependerão da condição do Espírito e de seu posicionamento no resgate e ressarcimento dos débitos acumulados em múltiplas existências, ao longo do processo evolutivo.

Nosso sofrimento, no que se refere às enfermidades físicas, decorrem de causas alheias à nossa vontade, como processos naturais ou acidentais, modificando nosso comportamento ante a vida, e poderão ocorrer – e isso é muito frequente – moléstias como consequência de abusos e desequilíbrios do comportamento humano.

Em ambos os casos, o sofrimento nos coloca numa situação de reflexão e análise, buscando a valorização da vida e da saúde como elementos fundamentais em nosso crescimento espiritual e maior compreensão da dor e do sofrimento alheios. Longe de ser uma atitude de passividade e inércia, deverá ser uma conduta cristã de resignação ante os desígnios de Deus, na aceitação da doença, da dor. Uma luta constante em busca da vida e do equilíbrio emocional.

Quando sofremos, por meio de enfermidades que nos retêm ao leito, ou nos impedem de estar junto aos labores do dia a dia, temos ensejo de refletir mais profundamente sobre os valores da vida e nos ligamos mais facilmente às coisas do Espírito, compreendendo melhor a misericórdia de Deus.

Reformulamos planos, analisamos atitudes e substituímos valores antes tão importantes por outros mais valiosos ligados à nossa integridade física e moral.

Nessa fase, em que o Espírito comanda mais nitidamente o corpo físico, é que compreendemos o valor da mente, do pensamento criador influindo decisivamente no comando da vida.

Parece que, amortecidos, diminuídos os sentidos físicos pela enfermidade, a mente pode antever a plenitude da vida espiritual e como que recapitula toda a intensidade do que realmente importa ao Espírito imortal! Nessa fase, há uma superação dos valores morais e espirituais sobre os materiais.

Afloram-se-nos à mente aqueles tesouros esquecidos, que, ao longo da vida, enriqueceram nosso coração e pareciam adormecidos. Seja no desapego das coisas materiais (“despoja-te do que tens e segue-me”), na influência decisiva do pensamento como desencadeador dos fatos futuros (“seu tesouro está onde está seu coração”), na busca da paz e da tranquilidade acima das conquistas humanas (“meu reino não é deste mundo”), no consolo da fé e na certeza do futuro (“pedi e obtereis”) ou na ação benfazeja e profilática do perdão (“o sacrifício mais agradável a Deus”).

Vamos aos poucos aglutinando em nosso campo mental esses conceitos, assimilando-os a ponto de reformular toda uma estrutura de vida, alicerçados sempre pelos conceitos e aconselhamentos que há milênios nos acompanham na forma mais intensa de amor, compreensivo e paciente.

E Jesus, assim, nos mostra que, por meio da dor, iremos educar e reformar a nossa vida moral até que aprendamos, por meio do amor, a restaurar outras vidas que palpitam em torno de nós.


[1] Hoje em dia, 32 anos após a escrita desse texto, podemos com alegria testemunhar conclusões científicas mais sólidas nessa direção. Daí a importância de sua republicação!

[2] KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2009, c. 14, i. 18.

[3] KARDEC, Allan. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2009, 1. p., “Manifestação dos Espíritos”, i. 12.

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