O perispírito possui órgãos?
Coluna “Revista Espírita em destaque”
Ricardo Baesso de Oliveira
Quase nada sabemos a respeito do corpo que reveste o Espírito – o perispírito, da denominação kardequiana. Mais dúvidas do que certezas envolvem os estudiosos espíritas que aceitam o desafio de buscar uma melhor compreensão do corpo espiritual.
A questão da existência de órgãos divide a opinião dos autores. André Luiz, em sua vasta obra mediúnica, por meio de Chico Xavier, descreve no corpo espiritual os mesmos órgãos existentes no corpo físico. Citamos, para ilustrar, o livro Nosso lar, quando o facultativo chamado a cuidar da saúde de André Luiz, recém hospitalizado, descreve em seu perispírito intestinos, fígado, rins etc.[1]
Léon Denis e Gabriel Delanne consideram a possibilidade de um cérebro no corpo espiritual. Segundo Denis, “o perispírito conserva todas as aquisições do ser vivo. É no cérebro desse corpo espiritualizado que os conhecimentos se armazenam e se imprimem em linhas fosforescentes, e sobre ele é que se modela e se forma o cérebro da criança, na reencarnação.”[2]
Delanne segue com a mesma suposição. Examinando as aparições tangíveis, comenta que “o ser que se manifesta tem, nos primeiros tempos, grande dificuldade em servir-se do seu cérebro perispiritual, que acaba de ser profunda e subitamente modificado.”[3]
Para Gustave Geley, médico francês desencarnado em 1924, o perispírito funciona como um órgão único. Referindo-se ao corpo espiritual, coloca que “já não há órgãos diversos e múltiplos, mas um organismo homogêneo, fluídico – o perispírito.
Já não há sentidos especiais, mas um sentido único que os condensa a todos e generalizado por toda a superfície do períspirito.”[4]
Kardec, bem antes de todos eles, havia apresentado o perispírito tal qual a proposta de Geley. Na Revista Espírita de dezembro de 1858, Kardec escreve que o perispírito é “o agente das sensações exteriores. No corpo, os órgãos, servindo-lhes de condutos, localizam essas sensações. Destruído o corpo, elas se tornam gerais (…). (…) sabemos que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são atributos do ser todo e não, como no homem, de uma parte apenas do ser.”
Kardec se valeu deste texto na segunda edição de O Livro dos Espíritos (1860), ao redigir o significativo item 257 – “Ensaio teórico sobre a sensação dos Espíritos”.
Como entender essa visão contraditória entre nossos mais importantes autores?
Aventamos a possibilidade de que as diferentes visões sobre o perispírito encontradas nas obras de Kardec e de André Luiz se devem ao fato de que Kardec, em geral, se reporta a Espíritos com grau maior de evolução intelecto-moral, vinculados a esferas superiores, enquanto André Luiz concentra seus relatos em Espíritos vivendo em regiões mais próximas da crosta terrestre.
A relativa materialidade do perispírito tende a diminuir conforme o Espírito se eleva.[5] Relevante lembrar que o corpo espiritual retrata em si os recursos da mente que lhe preside a formação.[6] Sabemos que, quanto mais os Espíritos se purificam, deslocando seus centros de interesse da corporeidade, tanto mais etérea se torna a essência do perispírito. Isso talvez explicaria a presença de órgãos no perispírito das entidades menos evoluídas, que, ainda ligadas psiquicamente à vida corpórea, materializariam em seu corpo espiritual os sistemas e aparelhos da fisiologia orgânica. O pensamento desfocado das experiências materiais justificaria a inexistência dos mesmos sistemas e aparelhos nas entidades superiores.
[1] XAVIER, Francisco Cândido. Nosso lar. Pelo Espírito André Luiz. 59a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2007, c. 4.
[2] DENIS, Léon. Depois da morte. 28a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2013, c. 21.
[3] DELANNE, Gabriel. A reencarnação. 14a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, c. 7.
[4] GELEY, Gustave. Resumo da doutrina espírita. São Paulo: LAKE, 1975, p. I.
[5] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano I: 1858. Catanduva: EDICEL, 2017, dezembro.
[6] XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 25a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2008, p. I, c. 2.