Um caso de altas habilidades
Coluna Revista Espírita em destaque
Ricardo Baesso de Oliveira
O estudo atento da Revista Espírita nos surpreende favoravelmente, pois nos coloca diante de relatos inusitados. O relato que se segue, extraído da edição de junho de 1861, nos apresenta um belo caso de provável autismo com altas habilidades e nos permite ilações importantes. Vejamos.
Desde a idade de dez anos, Henri Mondeux fez-se notar pela prodigiosa facilidade com que resolvia de cabeça as mais intrincadas questões de aritmética, embora completamente iletrado e não havendo feito nenhum estudo especial. Logo atraiu a atenção e muitas pessoas iam vê-lo, enquanto pastoreava seus rebanhos. Os visitantes divertiam-se em propor-lhe problemas, o que lhe proporcionava pequeno lucro.
Um professor de matemática do colégio de Tours pensou que um dom natural tão notável deveria dar resultados surpreendentes, se fosse auxiliado. Em consequência, empenhou-se na tarefa de o educar, mas não tardou a perceber que lidava com uma das mais refratárias naturezas. Com efeito, aos dezesseis anos de idade, mal sabia ler e escrever correntemente e, coisa extraordinária, jamais conseguira o professor que ele retivesse o nome das figuras elementares de geometria, de sorte que sua faculdade era inteiramente circunscrita às combinações numéricas.
Uma faculdade tão exclusiva, conquanto levada ao extremo limite, não podia abrir-lhe nenhuma carreira, porque nem mesmo poderia ser contador numa casa comercial, e disso seu professor se apavorava, e com razão. Este quase se censurava por havê-lo retirado de suas vacas, perguntando-se o que seria dele quando os anos o tivessem privado do interesse a ele ligado, sobretudo em razão da sua idade. Além de sua notória deficiência intelectual, Henri possuía uma personalidade um“pouco grave”(sisudo, em outra tradução), significando, talvez, uma certa dificuldade de interação social.
Talvez, em nossos dias, ele fosse considerado um autista com altas habilidades em aritmética. Mondeux desencarnou em fevereiro de 1861, aos 34 anos. Dois meses depois de sua desencarnação, comunicou-se na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Dentre outras coisas, deixou a entender que:
- Sua experiência reencarnatória nada possuía de expiatória, podendo até mesmo ser considerada como motivadora de reflexão aos sábios e doutos da Terra, ratificando a ideia de que nem todos os transtornos mentais estão vinculados a falhas éticas;
- Possuía conhecimentos reencarnatórios prévios de matemática, o que sugere que, pelo menos em alguns casos, as altas habilidades demonstradas por alguns autistas representam conquistas prévias desses Espíritos;
- Sua deficiência intelectual e sua aventada inabilidade social estavam relacionadas provavelmente à limitações cerebrais. Isso pode ser sugerido pelas seguintes colocações:
(…) a faculdade [notáveis cálculos aritméticos] foi sempre empregada nisto, não restava mais outra coisa.
(…) por certo eu era um tolo, não é mesmo? Dizei a palavra, eu a aceitarei. Mas aqui [desencarnado] não mais tenho que desenvolver a minha faculdade para as cifras, e ela se desenvolve rapidamente para outras coisas.
Vale a pena conferir a descrição completa na Revista Espírita de junho de 1861.