Quem são os médiuns
Lucius Claudius1
“A primeira necessidade do médium é evangelizar-se a si mesmo antes de se entregar às grandes tarefas doutrinárias, pois, de outro modo poderá esbarrar sempre com o fantasma do personalismo, em detrimento de sua missão.” 6
O insigne codificador da Doutrina Espírita, o senhor Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, no capítulo XXXII, intitulado “Vocabulário Espírita”, dedicou-se a trazer o significado de terminologias próprias do contexto espírita. Lançamos mão dessas informações para trazer à baila o significado das palavras “mediunidade” e “médium”:
Mediunidade: faculdade dos médiuns.1
Médium (do latim – medium, meio, intermediário): pessoa que pode servir de intermediária entre os Espíritos e os homens.1
Na obra supracitada, o apóstolo da Codificação, dissertando sobre a mediunidade, expressa que “essa faculdade é inerente ao homem” 2 e que todos são dotados de certo grau de sensibilidade mediúnica, embora variando individualmente a percepção psíquica, reserva-se a chancela de médium para “aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada.” 2
Assim, os médiuns são pessoas que têm a faculdade psíquica ostensiva de ver, ouvir e sentir a presença dos Espíritos, bem como os seus pensamentos, sentimentos e emoções, transmitindo-os ao mundo físico e cumprindo o papel de intermediário entre as duas dimensões da vida. Na prática isso acontece porque os médiuns, durante o transe mediúnico, vivem a realidade do mundo espiritual. Para iniciar este mecanismo, é necessário o médium entrar em estado de passividade mental, que é a redução da atividade da mente favorecida pelo estado de concentração. Nesse momento, as faculdades anímicas são expandidas e há uma redução nos sentidos físicos, devido ao estado de passividade mental, gerando, assim, uma alteração no estado de consciência.
Por que então é necessário a mediunidade na vida do homem? Nos primórdios da evolução do reino hominal na Terra, o plano espiritual lançou mão desse recurso para orientar o encarnado por meio do desprendimento do sono físico, iniciando o desenvolvimento da mediunidade espontânea, bem como trazendo ensinamentos e promovendo a melhoria de vida no plano físico.3
Quando o homem conquistou um nível intelectual que permitisse alargar os seus horizontes espirituais, os médiuns foram os instrumentos da Providência Divina para trazer luz aos planos obscuros da vida física. Espíritos missionários que desceram das esferas superiores ao solo da Terra vieram, no decorrer dos tempos, esclarecer os homens sobre a verdade que emana de Deus: as leis universais com os seus princípios morais que norteiam a jornada reencarnatória com segurança. Sem a existência desse portal de intercâmbio entre as duas esferas da vida, o ser encarnado não teria recursos iluminativos da verdade para avançar na senda evolutiva.
Enquanto uns descem à esteira física em missão, outros descem com finalidade educativa. Por isso, a grande maioria dos médiuns traz consigo, em seu planejamento reencarnatório, a mediunidade expiatória, provacional ou de trabalho, visando à renovação de valores ou à libertação da consciência maculada. Isso explica por que alguns necessitam ser dotados de percepção psíquica mais ostensivas, e são chamados de médiuns, e outros não precisam ter essa ostensividade, passando despercebidos para si mesmos o seu grau modesto de sensibilidade.
A segunda obra da Codificação explica essa necessidade:
A faculdade [mediúnica] lhes é concedida porque precisam dela para se melhorarem, para ficarem em condições de receber bons ensinamentos. Se não aproveitam da concessão, sofrerão as consequências. Jesus não pregava de preferência aos pecadores, dizendo ser preciso dar àquele que não tem? 4
A referência supracitada demonstra também o aspecto educativo em sua forma quando explica que é para os médiuns “ficarem em condições de receber bons ensinamentos”, ou seja, terem a oportunidade de receber da dimensão espiritual as lições elucidativas, por meio das mensagens de consolo e esclarecimento dos benfeitores espirituais, como também os depoimentos dos Espíritos que ainda carregam consigo os dramas vividos no passado e que não conseguiram eximi-los de suas consciências. Estes exemplos nos trazem uma grande oportunidade de reflexão e análise em relação à nossa conduta de vida atual. O texto também é peremptório quando explica: “se não aproveitam da concessão, sofrerão as consequências”, deixando claro que não devemos malbaratar os recursos divinos.
Conforme a referência acima, depreendemos que ser médium é uma oportunidade educativa concedida pela Providência Divina com o objetivo de nos auxiliar a aprender a pensar, sentir e agir, buscando os valores espirituais, já que ainda vivemos valorizando os sentidos físicos, as paixões, e primando pela sensação do prazer imediato e transitório em que nada nos preenche intimamente, deixando um vazio em nossas almas. Esse comportamento é reflexo da nossa fase evolutiva de expiação e provas, que retrata a nossa profunda dificuldade de viver como Espíritos. Por isso, temos nos comprometido muito perante a nossa consciência nas vidas sucessivas pelo mal uso dos recursos físicos e espirituais que são abundantemente canalizados em nosso favor, sempre com o objetivo de nos impulsionar na senda evolutiva.
O benfeitor espiritual Emmanuel, na obra intitulada com o seu próprio nome, explica quem são os médiuns:
Os médiuns, em sua generalidade, não são missionários na acepção comum do termo; são almas que fracassaram desastradamente, que contrariaram, sobremaneira, o curso das leis divinas, e que resgatam, sob o peso de severos compromissos e ilimitadas responsabilidades, o passado obscuro e delituoso.5
Analisemos o texto. Primeiramente, nos chama a atenção quando nos revela que os médiuns “não são missionários na acepção comum do termo”, ponto fundamental para tirarmos dos medianeiros o título de missionários que os desavisados os incutem simplesmente por possuírem a faculdade psíquica ostensiva. Importante reforçar que a designação de missionário é dada aos Espíritos de elevada credencial moral que reencarnam com o objetivo de promover o avanço da Humanidade. Logo em seguida, vem o ponto nevrálgico que deu causa à condição de médium, caracterizando que “são almas que fracassaram desastradamente, que contrariaram, sobremaneira, o curso das leis divinas”.
Nas linhas acima deste artigo, apresentamos a citação de O Livro dos Médiuns6 exatamente para retratar o valor educativo da mediunidade, em que o médium tem a oportunidade de refazer a trajetória de vida demonstrando para si mesmo que aprendeu a viver como instrumento do bem onde quer que esteja, refletindo, em suas ações, como espelhos vivos da vontade de Deus, já que o Criador atende as criaturas em suas necessidades pelas próprias criaturas e o médium, ao realizar o bem para os outros, realiza o bem para si mesmo, ao incorporar esses valores em sua alma, preenchendo-a de virtudes espirituais e alimentando-se para jamais sentir fome e sede de valores espirituais.
Neste processo de educação espiritual, o médium aprende que exercer a sua faculdade é colocá-la à serviço de Deus em todos os momentos, circunstâncias e lugares no atendimento às necessidades do próximo, não só na reunião de intercâmbio mediúnico. Se no passado deixou-se levar pelas paixões, foi leviano, malbaratou os recursos e oportunidades, agora, no presente, precisa aprender a ter controle sobre si mesmo, ser responsável e utilizar os recursos e oportunidades em favor dos outros, no esquecimento de si mesmo. As nossas atitudes só estarão impregnadas do amor verdadeiro que verte de Deus quando as nossas ações forem, invariavelmente, voltadas para o bem dos semelhantes e com o desprendimento de nossos interesses pessoais.
A citação evangélica colocada no início deste artigo proporciona o piso moral à nossa dissertação, dando segurança nas abordagens apresentadas ao explicar o mecanismo educativo da Ordem Divina, por meio da Lei de Causa e Efeito. Lei esta que atua sempre com misericórdia para manter o equilíbrio da vida e do universo, em que cada um de nós recebe sempre mais recursos da Providência Divina se demonstramos responsabilidade na aplicação da lei. Da mesma forma, quando não sabemos aplicar bem os recursos que nos são concedidos, entramos em um programa educativo-reparativo de reencarnações provacionais, a fim de aprendermos a utilizá-los devidamente.
É oportuno relembrar nas palavras de Emmanuel a importância do estudo e da vivência do Evangelho para a segurança do médium, evitando que ele desvie novamente por caminhos escabrosos.
A primeira necessidade do médium é evangelizar-se a si mesmo antes de se entregar às grandes tarefas doutrinárias, pois, de outro modo, poderá esbarrar sempre com o fantasma do personalismo, em detrimento de sua missão.7
Importante destacar que o significado da palavra “missão” empregada pelo benfeitor espiritual está relacionado aos nossos compromissos assumidos no programa reencarnatório. O Evangelho tem o poder e a força de penetrar em nossas almas alterando a nossa percepção da vida, alargando o nosso horizonte espiritual, ampliando a nossa visão psíquica da realidade e fazendo-nos enxergar intimamente quem verdadeiramente somos, para assim modificarmos os nossos valores e aprendermos a caminhar pelas sendas do amor.
Grafando estas últimas linhas, não podemos deixar de ressaltar que a mediunidade é uma benção em nossas vidas se exercida dentro dos princípios da Doutrina Espírita e do Evangelho de Jesus. Este nos faculta pela prática do bem a nos libertar das máculas da consciência e a sublimar as energias psíquicas, alterando o estado vibracional do perispírito, que o credencia a ter acesso a faixas espirituais mais elevadas. Dessa forma, somos integrados à mentes mais moralizadas e temos a oportunidade de extrair novo cabedal de ensinamento para ascendermos paulatinamente rumo à integração definitiva ao pensamento divino.
1.KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Capítulo XXXII.
2.KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Item. 159.
3. XAVIER, Francisco Cândido. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. Primeira Parte. Capítulo 17.
4.KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Item. 220.
5. XAVIER, Francisco Cândido. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. Capítulo 11.
6.KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Item. 220.
7. XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. Pergunta 387.