Cursos profissionalizantes como Promoção Social
Daniel Salomão Silva
As áreas de assistência e promoção sociais dos centros espíritas têm, já há décadas, ofertado cestas básicas, alimentação, vestuário, orientação espírita, entre outros itens e serviços, a famílias em situação de vulnerabilidade social. Essa postura encontra motivação e embasamento já na Codificação Espírita. O objetivo desse texto é destacar introdutoriamente uma outra possibilidade de auxílio: a promoção de cursos profissionalizantes para essa população.
Fugindo de qualquer reducionismo que coloque as desigualdades sociais como responsabilidade exclusiva do indivíduo ou como responsabilidade exclusiva da sociedade, a mensagem espírita reconhece a presença de ambas. Nesse sentido, afirmam os Espíritos que, se “a sociedade é a causa principal dessas faltas” e não vela adequadamente “pela educação de seus membros” , pode ser que a situação de privação do indivíduo “se deva à sua própria culpa, daí por que só tem que se queixar de si mesmo”. Contudo, impossibilitados de fazer um julgamento preciso da situação, mas comprometidos indiscriminadamente com a proposta cristã, devemos nos esforçar “por abrandar a expiação dos [nossos] irmãos, de acordo com a lei de amor e caridade”. Nessa direção, junto ao que destacamos no primeiro parágrafo, oportunizar uma formação profissional nos parece muito importante.
Como prevê o art. 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.394/1996), a qualificação profissional pode ser ofertada à comunidade na forma de cursos livres, “com matrículas condicionadas à capacidade de aproveitamento da formação, e não necessariamente ao nível de escolaridade”. Suas cargas horárias e métodos de ensino são variados, buscando a preparação do aluno para o exercício profissional, como complemento a sua renda atual ou mesmo como ocupação principal.
Além de instituições públicas e privadas de ensino, “os cursos livres podem ser oferecidos por empresas, associações de classe, sindicatos, igrejas etc.”, logo, naturalmente, por centros espíritas. A partir da nossa experiência junto à Sociedade Beneficente Sopa dos Pobres, eventualmente em parceria com instituições espíritas ou não de Juiz de Fora, apresentamos alguns pontos em favor da promoção desses cursos livres junto à população vulnerável em nossas casas espíritas.
Em primeiro lugar, identificando a comum ausência, incompletude ou precariedade de formação escolar entre esse grupo, interessante é o oferecimento de cursos que dependam de menor pré-requisito e que já permitam rápida inserção no mercado de trabalho. Entre esses, ressaltamos cursos na área da beleza, como de manicure, trancista, barbeiro e cabeleireiro (iniciantes) e design de sobrancelhas; na área de saúde, como de cuidador de idosos; e na área de costura, como de costura criativa, com máquina, patchwork etc.
Alguns desses independem de qualquer alteração nas dependências dos centros espíritas, como os de manicure, trancista, design e cuidador. O espaço para reunião pública e o mobiliário comum já são suficientes. Outros já exigem adaptações nas instalações elétricas, como os de barbeiro e cabeleireiro. Dada a estrutura do centro espírita, já adequada à reunião de público, e o próprio caráter pontual dessas atividades, exigências da Vigilância Sanitária e do Corpo de Bombeiros são mais simples de se cumprir.
Naturalmente, todos esses cursos demandam a contratação temporária de profissionais do ramo, com todos seus encargos legais, além da compra de materiais de uso coletivo e individual, o que nos leva a um ponto crucial: dinheiro. Em nossa experiência, o custo com esses cursos tem sido de R$100,00 a R$300,00 por aluno, em turmas com 10 a 15 participantes, com duração de 15h a 50h. Sem sombra de dúvidas, o volume desses recursos é um impeditivo às casas menores, mas talvez não aos centros espíritas maiores. Para fins de comparação, cestas básicas comumente oferecidas mensalmente têm custado de R$80,00 a R$100,00.
Captar e inscrever os alunos também é um desafio. A divulgação deve ter boa antecedência, ocorrer em linguagem clara e acessível. Sem qualquer pré-julgamento, é importante identificar na população atendida se há dificuldades de locomoção, de cuidados com filhos pequenos, questões psicológicas e psiquiátricas, ou mesmo comodismo e ausência de interesse. Em alguns pontos o centro espírita pode ajudar, em outros, não. Certamente, o auxílio de assistentes sociais, pedagogos e psicólogos é muito valioso.
De qualquer forma, importante é acolher e motivar o público, que, muitas vezes, não tem expectativa de inserção ou reinserção no mercado de trabalho pelos mais diversos motivos. Ademais, mesmo que a conclusão de um desses cursos não resulte imediatamente em empregabilidade e renda, talvez seja suficiente para mostrar ao indivíduo sua potencialidade, despertá-lo para uma futura oportunidade.
Com a turma formada, professores e materiais já providenciados, faz-se ainda mais necessária a atenção dos trabalhadores espíritas, que devem acompanhar o curso. A assiduidade é fundamental para um bom aprendizado e sugerimos certo rigor nessa questão. Afinal, um futuro trabalho mal desempenhado impedirá o crescimento profissional do aluno, trará a ele frustração e poderá ainda prejudicar terceiros. Todavia, é comum o surgimento de dificuldades de frequência, que devem ser investigadas fraternalmente pelo centro espírita. Muitas vezes, pequenos auxílios ou adaptações evitarão a evasão do aluno.
O professor deve ser também escolhido e orientado com cuidado. Por exemplo, se está acostumado com outro perfil de turma, sua interação com os alunos deve receber algumas mediações do trabalhador espírita experiente. Além disso, quanto melhor a certificação do professor, que pode ser vinculado a entidades de classe ou semelhantes, maior a confiabilidade do curso e de seu certificado. Esse diploma deve conter o nome do curso, o número de horas cursadas, assinaturas do professor e dos responsáveis pela instituição, e o conteúdo programático ministrado no verso. Em sua entrega, ao encerramento, importante é a realização de cerimônia simples, de uma formatura que efetivamente valorize essa vitória dos formandos.
Também muito importante é o acompanhamento do grupo após a conclusão do curso. Mantendo o contato com a turma, auxiliando na confecção de currículos e cartões de visita, bem como apresentando orientações de marketing pessoal, postura e vestuário adequados para entrevistas de emprego, torna-se mais provável o aproveitamento da oportunidade, ou seja, maior é a empregabilidade do formando. Muito satisfatório é vê-lo complementar sua renda familiar, fazer projetos de crescimento ou mesmo incentivar outros na mesma direção.
Por fim, mesmo reconhecendo a complexidade da tarefa, reforçamos a premência dessa reflexão. Ainda que a questão financeira seja central, fundamental é o comprometimento dos trabalhadores com a tarefa, que se refletirá na boa organização da atividade, no acompanhamento cuidadoso e na real chance de melhora de vida social do indivíduo. Ademais, parcerias do centro espírita com outras instituições de sua região, religiosas ou não, e que naturalmente têm o mesmo objetivo junto à população mais vulnerável, podem minimizar os obstáculos e dar excelentes frutos.
Importante é deixar claro que, com essas iniciativas, não entendemos ingenuamente estar resolvendo o problema da desigualdade social ou isentando o poder público de suas responsabilidades. Além disso, não pensamos que as pessoas assistidas pelo centro espírita são incapazes de ir além, de realizar um curso técnico ou superior. Em verdade, esses cursos livres podem ser o primeiro passo nesse caminho. Contudo, temos observado com muita segurança os ganhos sociais, psicológicos e mesmo espirituais entre boa parte dos que têm aproveitado essas oportunidades.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 888 e 922; O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 13; etc.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2010, q. 813 e 930.
- Idem, q. 927.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 5, i. 27.
- MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Cursos de formação inicial e continuada (FIC) ou qualificação profissional. Portal.mec, 2024. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cursos-da-ept/formacao-inicial-e-continuada-ou-qualificacao-profissional. Acesso em: 28/01/2024.