A força destrutiva de um sofisma

José Fernando

Tende cuidado para que alguém não vos seduza;
porque muitos virão em meu nome, dizendo:
Eu sou o Cristo”, e seduzirão a muitos.”
(Mateus 24:4-5)

Certo dia, durante animada conversa, alguém para justificar seu posicionamento próprio soltou, entusiasmado, a conhecida frase: “…, mas a voz do povo é a voz de Deus”. Seu oponente na querela rebateu em seguida: – mas a voz do povo crucificou Jesus. Eis aí o sofisma, a arte de enganar se valendo de uma mentira que possua uma aparência de verdade.

As pessoas em derredor, mal avisadas, abalaram-se e se sentiram impotentes diante da contraposição, uma bem colocada premissa que, pela força do próprio termo, informa a verdade de um fato, porém sem prova ou demonstração fidedigna do porquê tal fato ter ocorrido. Plasmou-se, então, o verdadeiro intento, próprio de um sofisma: causar dúvida, instabilidade e, por conseguinte impor a ideia enganosa, enredando criaturas a atitudes e comportamentos disparatados. Na fala sofismática procura-se utilizar de recursos extraídos das opiniões supersticiosas, das ideias dogmáticas, dos posicionamentos extremistas e, das ilusões na captação da natureza pelos sentidos e paixões que são inclinações a deformarem a compreensão objetiva e real dos fatos em análise. (1) Consoante nos ensinam os léxicos, “sofismo” deriva do grego “sofisma” em que “sophia” ou “sophos” significam respectivamente “sabedoria” e “sábio”. De início, na Grécia antiga, esta palavra abarcava toda a gama de conhecimentos gerais e permitia dar um destaque entre aquele que é sábio e outro considerado ignorante. Tempos depois, filósofos e pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles passaram a desafiar os sofistas argumentando que suas acaloradas retóricas serviam para enganar o povo distorcendo conceitos verdadeiros no afã de causar impacto em seus discursos de puro interesse politiqueiro e pecuniário. Isto porque aqueloutros pensadores sofistas passaram a mercadejar seus discursos sem o compromisso com a verdade e, sim, de imporem a opinião do querelante que mais vantagens pecuniárias oferecesse. Não importava se o conceito fosse uma mentira, desde que seja ele tão bem elaborado que tivesse o dom de convencer como se verídico fosse. Tal versão pejorativa do termo – sofisma – permanece até os dias de hoje sendo caracterizado como uma forma de desonestidade intelectual.

(2) Singular fato histórico, dentre outros similares, ocorreu durante a chamada “Revolução Industrial”, na Inglaterra o qual corrobora a influência destruidora das ideias e frases sofismáticas quando bem manipuladas por indivíduos de caráter dissimulado e violento. Conta-se que o cidadão Ned Ludd, originalmente um aprendiz de teares mecânicos, em Anstey, Condado inglês de Leicestershire, lá pela década de 1810, trabalhando em recém-criada fábrica, foi condenado a dezenas de chicotadas por não ter apresentado bom desempenho ao lidar com o maquinário. Enraivecido passou a destruir ferozmente, com um martelo, seu instrumento de trabalho. Seu exemplo se espalhou influenciando pessoas que se sentiam prejudicadas com a recente onda de mecanização do trabalho manual. Formaram-se grupos revoltosos os chamados “ludistas” que se escoravam em frases sofistas do tipo: “máquinas causam desemprego”, “máquinas trazem miséria às famílias” máquinas afastam as crianças de seus lares e escolas” para causarem pânico às cidades inglesas que foram pioneiras na industrialização. James Hargreaves, carpinteiro e tecelão, logo que começou a vender sua fiandeira “jenny” teve sua residência invadida e arruinados seus equipamentos. Costureiros de Nottingham, armados com machados e martelos, à moda “ludista”, invadiram fábricas de tecidos destruindo 60 fiandeiras mecânicas. Felizmente o progresso venceu e hoje não vivemos mais sem as abençoadas máquinas.

(3) Não obstante o vertiginoso florescimento da real utilidade do uso de variados tipos de maquinário a sanha destruidora das abstrações e falas sofísticas chega ao século XXI ainda mais resistente e bem adaptada à nova revolução global, a era digital. A investida virulenta das chamadas “fake news” ocasionou uma reviravolta no sistema político mundial trazendo à tona conceituações obscuras que estagiavam nos subterrâneos de pequenos grupos específicos para confrontar o “establishment” vigente. Concepções anárquicas e comportamentos desumanos e agressivos tornaram-se a tônica de um novo “way of life”, apoiado até por criaturas pacatas e ordeiras como também, religiosos e ateus.

Evidente está que a Doutrina Espírita tem o esclarecimento consolador acerca destes fenômenos sociais temporários, tendo em vista que estamos no limiar de uma Nova Era e esta aproximação faz com que sejam revolvidos os lodos estagnados no fundo poço dos pensamentos e princípios humanos para que a limpidez e a claridade mental soergam triunfantes nos tempos felizes da Terra regenerada.

De permeio a tudo isto, vez ou outra ouvimos de algum trabalhador que a Casa que frequenta está elaborando uma rifa, em alguns casos, uma tômbola, para angariar fundos para a assistência social, esquema este muito comum nas religiões tradicionais. Justifica-se dizendo que a quantia arrecadada será destinada, toda ela, aos carentes assistidos pela entidade e, portanto, trata-se de exercer a caridade para com os menos afortunados, belo apanágio da Doutrina Espírita.

Embora não seja um sofisma, tecnicamente, de um sofisma, pela semelhança podemos classificar como sendo um paralogismo tendo em vista que o tarefeiro está de boa vontade e não tem o intento de enganar, a não ser a si mesmo. Etimologicamente falando, o paralogismo é realizado de forma não intencional, ou seja, o indivíduo que esteja repassando a ideia não meditou nela com profundidade levando o ouvinte ao erro e, consequentemente invalidando o argumento.

(4) Allan Kardec, ao final do penúltimo capítulo de “O Livro dos Médiuns” apresenta, magistralmente, comentários diversos sobre as chamadas “Comunicações Apócrifas”. Kardec relaciona mensagens mediúnicas recebidas de variados grupos nas quais preponderam a mistificação, o engano e erros desde os mais simples, os gramaticais, até os mais complexos como a adulteração das ideias.

Sugerindo a performance sofística de certas entidades espirituais o Codificador chega a afirmar, logo no primeiro parágrafo em que começa a analisar as mensagens duvidosas que: “… Outras, porém, há, em que o erro, dissimulado entre coisas aproveitáveis, chega a iludir, impedindo às vezes se possa apreendê-lo à primeira vista.” São estes os sofismas empregados pelos espíritos malévolos que desvirtuam médiuns e tarefeiros desprevenidos e crédulos em demasia nas manifestações do mundo invisível, acomodados que estão no conhecimento alheio e não afeitos a estudos próprios, profundos, das mensagens que recebem. Além dos famigerados sofismas o Mestre de Lyon também nos conduz a verificar, nas mensagens que nos são apresentadas como sendo mediúnicas, os torneiros de escritas viciosos, os pleonasmos, o estilo verboso e burlesco assim como o linguajar pretensioso, enfático e empolado do espírito comunicante.

Fechando, com Kardec, cabe-nos escutar e agregar em nosso íntimo sua recomendação peremptória de que “Os falsos profetas não se encontram apenas entre os encarnados; há-os, igualmente, e em número muito maior, entre os Espíritos orgulhosos que, sob falsas aparências de amor e caridade, semeiam a desunião e retardam a obra de emancipação da humanidade, lançando-lhe, de través, sistemas absurdos, que fazem sejam aceitos pelos médiuns.”

(5) Concluindo poderemos nos valer do poderoso antídoto contra os sofismas dos espíritos desencarnados, dos aproveitadores encarnados e dos conteúdos venenosos das “fake News” ao atentarmos para a impactante frase proferida pelo Espírito Erasto: “Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea”.

  1. https://www.significados.com.br/sofismo/
  2. Narloch, Leandro – “Guia politicamente incorreto do mundo” – São Paulo: Leya. 2013 – p.106.
  3. Empoli, Giuliano da “Os Engenheiros do Caos” 1. ed; 4 reimp. São Paulo: Vestígio, 2022.
  4. Kardec, Allan “O Livro dos Médiuns” Edição Histórica – Cap. XXI – Dissertações Espíritas – p.402.
  5. IDEM – Cap. XX – Da influência moral do médium – item 230 – p.246.

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