Não é humanamente explicável
Ricardo Baesso de Oliveira
Uma autoridade pública brasileira publicou em seu twitter: Não é humanamente explicável. Ela se referia à tragédia da creche em Santa Catarina, com o assassinato de 4 crianças entre 4 e 7 anos de idade. Outras cinco crianças ficaram feridas. O criminoso de 25 anos foi preso, após se entregar.
Penso que essa autoridade pública apresentou uma ideia cuja dimensão não pode avaliar. Estudos muito recentes em uma nova área das neurociências – a neurocriminologia – têm mostrado que muitos crimes podem ser correlacionados a certas lesões cerebrais, notadamente na área do autocontrole e das emoções.
Um caso paradigmático foi o de Charles Joseph Whitman, um estudante de engenharia americano na Universidade do Texas, que matou 16 pessoas em um só dia.
Nas primeiras horas da manhã do dia 1 de Agosto de 1966, Whitman matou a sua mulher e mãe nas suas casas. Mais tarde, levou várias armas, incluindo espingardas, uma caçadeira, e pistolas, para o Campus da Universidade do Texas, em Austin, onde, durante um período de aproximadamente 90 minutos, matou 14 pessoas e feriu outras 32, com uma grande quantidade de disparos à volta da torre. Whitman levou um tiro e morreu, pelas mãos do policial de Austin, Houston McCoy.
A 2 de Agosto, uma autópsia foi conduzida ao corpo de Charles Whitman Durante a autópsia, o patologista descobriu um tumor na parte frontal do cérebro, designado como astrocitoma.
Uma comissão composta por neurocirurgiões, psiquiatras, patologistas, psicólogos e diretores do centro de saúde de Texas concluiu que o tumor, muito provavelmente, teve influência nas ações de Whitman.
Adrian Reine, psicólogo da Pensilvânia, que se dedica a estudos sobre criminalidade, há mais de 30 anos, é autor de um relevante estudo realizado com 41 criminosos que aguardavam no corredor da morte. Exames de imagem do cérebro mostraram em todos eles uma notável falta de ativação do córtex pré-frontal. Ainda não se consegue explicar exatamente essa correlação, mas existe algo muito sério que precisa ser bem estudado.
Outro dado importante: muitas das manifestações da psicopatia, notavelmente o comportamento criminoso, tornam-se menos evidentes, ou mesmo sofrem remissão conforme o indivíduo envelhece, o que relaciona, indiscutivelmente, o problema ao corpo.
Tal constatação nos leva a pensar que existe no psicopata algo mais do que manifestações de um Espírito mau. A natureza perversa das ações, muitas vezes absurdas, como o canibalismo, a violência sexual com bebês e muitas outras, talvez se relacionem também com alterações nos sistemas cerebrais que manejam as emoções sociais. Em alguns indivíduos, os sinais de psicopatia se desenvolvem após uma lesão dessas regiões por doença ou acidente.
Outro aspecto importante ao se examinar a psicopatia: algumas vezes, trata-se de uma violência não “justificada” pelos mecanismos naturais da violência.
Esclarece o neurocientista Steven Pinker que, ao contrário do que se acreditava no passado, a violência não é um impulso perene como a fome, o sexo ou a necessidade de sono; ela se manifesta em dadas condições e funciona muito mais como uma resposta a certas situações específicas, relacionadas principalmente à sobrevivência do indivíduo. Segundo ele, o mito do mal puro frustra nossa tentativa de compreender o mal real. Entregues a si próprios, os seres humanos não demonstrarão uma sede de sangue que precisa ser periodicamente saciada. Ou seja, embora a violência nunca deva ser considerada como algo normal, existem condições que podem provocar atos violentos, em especial devido ao instinto de conservação da vida. O exercício da violência, quando estas condições não existem, sugerem algum tipo de transtorno. Na psicopatia, algumas vezes, as ações são absurdas demais para se constituírem em uma estratégia de sobrevivência, o que aponta fortemente para um desarranjo nos circuitos cerebrais do psicopata.
Para ilustrar, narramos o caso de Michael Oft, citado por Adrian Reine, no livro Anatomia da violência.
Michael Oft era um sujeito norte-americano de meia idade, comum, sem nada que pudesse despertar o interesse. Trabalhou como agente penitenciário, mas, ao terminar o mestrado, passou a dar aulas em uma escola da Virgínia. Amava e cuidava de sua segunda esposa e de sua enteada de 12 anos.
Aos 40 anos de idade, seu comportamento mudou, de modo lento, mas evidente. Passou a frequentar casas de massagem e colecionar pornografia infantil. Em seguida, o ato uma vez inocente de colocar sua enteada para dormir mudou de uma maneira indescritível. A menina contou a mãe, houve uma grave discussão entre ele e a esposa, e ele acabou agredindo-a. A esposa, então, o colocou para fora de casa e o denunciou à polícia.
Diagnosticado como pedófilo, foi considerado culpado de agressão sexual e recebeu a opção de realizar um programa de tratamento. Contudo, mesmo durante o tratamento, seu comportamento libidinoso não reduziu e o juiz decidiu pela prisão.
Na noite anterior ao dia previsto para começar a cumprir a pena, o Sr. Oft foi ao hospital da Universidade da Virgínia queixando-se de uma forte dor de cabeça. Internado, foi-lhe solicitado um exame de imagem cerebral, que detectou um enorme tumor crescendo na região pré-frontal direita.
Os neurocirurgiões ressecaram o tumor, e uma mudança mais notável ainda aconteceu. A emoção, a cognição e a atividade sexual do Sr. Oft voltaram ao normal. Ele retornou para casa; as coisas estavam indo muito bem, quando, vários meses depois, o comportamento desviante retornou.
Submetido a novo exame, viu-se que o tumor havia crescido novamente. Em 2002, o tumor foi retirado pela segunda vez e por seis anos sucessivos, em que foi acompanhado pela equipe de neurologistas do hospital, os seus impulsos sexuais e comportamento sexual mostraram-se totalmente apropriados.
Em torno da relação biologia/comportamento registro a seguir o posicionamento da Dra. Tais Moriyama, que é doutora em Psiquiatria da infância e adolescência e diretora do Instituto Bairral de Psiquiatria, em Itapira, SP, além de ser de uma terceira geração de espíritas:
“Hoje a gente sabe que tudo que envolve o comportamento tem um elemento físico, porque o Espírito para se manifestar na Terra precisa do corpo. O Espírito se manifesta entre nós pela matéria e a matéria influencia o Espírito. É preciso ter em mente que está cada vez mais difícil separar fatores físicos de psicológicos.
Hoje está bastante claro que as experiências de vida deixam marcas biológicas no cérebro. Por exemplo, crianças que são cuidadas com zelo e carinho podem sofrer modificações nos processos de transcrição gênica; com isso elas passam a produzir mais substâncias relacionadas a afetos positivos, o que as faz menos propensas à depressão e à ansiedade. Do ponto de vista espírita podemos entender que as vivências do Espírito deixam registros no corpo.
Mães ansiosas tendem a “passar” a ansiedade para os filhos porque ensinam a eles o modelo da ansiedade e porque “passam” para eles, através da herança material, genes relacionados à ansiedade. Mas nós podemos “mudar” a herança genética, oferecendo à criança um ambiente diferente. Através de cuidados afetuosos nós podemos impedir que os genes relacionados à ansiedade sejam ativados.
Todo comportamento humano tem um componente que nasce com a pessoa (espiritual e biológico) e um componente que vem do histórico de vida da interação com o ambiente.